Enóphilo Wine Fest Porto 2019 | O vinho sentido e a depressão que fez nascer um sonho
"Há 100 anos renasciam os povos após uma guerra atroz. Deu-se uma maior liberdade na cultura e nos costumes. Houve lugar para as artes e para a loucura. Muito aconteceu por Portugal e pelo resto do mundo. Foram os verdadeiros anos de loucura que ficaram para a história até hoje, 100 anos depois." National Geographic
A penúltima publicação relativa a 2019 leva-nos à quarta edição do Enóphilo Wine Fest na cidade do Porto. Uma edição que se mudou de armas e bagagens para um novo espaço, o Hotel Crowne Plaza Porto, localizado na Avenida da Boavista, e que no passado dia 16 de Novembro, recebeu mais de 30 produtores nacionais com mais de 300 vinhos em prova.
Os enófilos mais entusiastas tiveram ainda as tradicionais provas especiais: a "Munda: 15 anos de uma expressão no Dão", a "Cabernet Sauvignon da Quinta de Pancas - o renascer de um ícone" e a incrível "Uma viagem pela história dos Colheita da Vieira de Sousa” , da qual vos falarei mais adiante.
Existiu ainda uma grande novidade, a primeira edição do Velhíssimas, uma mostra exclusivamente dedicada a aguardente vínicas e bagaceiras, que se realizou em simultâneo com o Enóphilo Wine Fest Porto 2019.
Passando ao que interessa, aos vinhos (;)), começo por destacar o SEM IGUAL Ramadas Wood 2017 (25€, 90 pts.) pela sua baunilha, cardamomo, brioche, ananás, maçã verde, chicória, equilíbrio, intensidade e duração.
Ainda nos brancos, o Quinta de Pancas Vital Reserva 2018 (15€, 89 pts.) foi uma agradável surpresa devido às suas lichias, espargos, jasmim, tília, volume e frescura, tudo muito bem equilibrado.
Foi também no Enóphilo Wine Fest Porto 2019 que provei pela primeira vez os frutos silvestres, calcário, notas florais, nobreza e sofisticação do Giz Cuvée de noirs Baga 2016 (29€, 91 pts.)
A versão 2017 do Pai Horácio Grande Reserva (45€, 92 pts.) é mais fresca, intensa e mineral, continua equilibrado, com madeira muito sedutora e uma fruta mais "verde", menos compotada (cerejas, morangos, framboesas e mirtilos) e sumarenta.
Com uma relação qualidade/preço quase imbatível surgiu o Head Rock Grande Reserva Tinto 2015 (20€, 90 pts.). Um vinho que exibe exemplarmente ameixa preta compotada, amora confitada, sous-bois, argila e uma excelente mineralidade, acidez e elegância.
Na sala principal do evento, o destaque nos Portos, vai inteiramente para a Quinta da Devesa. Para a amêndoa, melaço, alperce, harmonia e vivacidade do Quinta da Devesa Porto Branco 20 anos (25€, 91 pts.); para o mel, nozes, avelãs, caramelo, leve cacau, equilíbrio e complexidade do Quinta da Devesa Porto Tawny 20 anos (45€, 92 pts.); para a linhaça, avelã, creme brûlée, cedro, cravinho, resina, pimenta branca, doçura inebriante e untuosidade do Quinta da Devesa Porto Tawny 30 anos (75€, 93 pts.) e para a casca de tangerina, laranja confitada, melaço, pinho e acidez inesperada do Quinta da Devesa Colheita Porto 1969 (150€, 92 pts.)
Nota especial para o doce de morango surpreendente, compota de ameixa preta quase torrada, pimenta preta, canela, café, densidade, coerência, complexidade e durabilidade do Quinta da Devesa Colheita Porto 1976 (175€, 94 pts.).
Já sabem, ou deviam saber, que as aguardentes não são a minha praia, mas não consegui ficar indiferente à noz-moscada, ameixa preta (???), caramelo, amêndoa e avelã da mais velha aguardente de vinhos verdes conhecida até à data: a Quinta do Tamariz 40 Anos (250€ pts.).
Como não percebo assim tanto de aguardentes, não me vou atrever a atribuir-lhe uma nota, posso apenas dizer que foi a melhor aguardente que provei até hoje.
Para último, o melhor do evento, a fabulosa prova "Uma viagem pela história dos Colheita da Vieira de Sousa” (parabéns Luís Gradíssimo!!!)
Percorremos o intrigante Vieira de Sousa Porto Colheita 2010 (25€, 87 pts.), quase um "vintage" com notas a frutos secos; observamos o decaimento na cor, maior secura e fruta vermelha subtil do Vieira de Sousa Porto Colheita 2009 (???€, 88 pts.); subimos na doçura, complexidade e terrosidade com o Vieira de Sousa Porto Colheita 1994 (???€, 87 pts.); demos um salto ao café, avelãs, nozes, taninos crocantes, ligeira secura, salinidade e excelente acidez do Vieira de Sousa Porto Colheita 1985 (???€, 93 pts.). 1985 é o ano da Clarisse e até hoje ainda não provei um Porto desse ano que não tivesse gostado, é um ano de coisas muito bonitas ;)
A percepção da avelã e da secura cresceu ao passarmos para o Vieira de Sousa Porto Colheita 1974 (???€, 92 pts.). Neste Porto surgiram ainda taninos picantes, amêndoa tostada e tabaco. Com o Vieira de Sousa Porto Colheita 1950 (???€, 95 pts.) vieram o equilíbrio, boa acidez, firmeza, secura e aromas a passas, nozes, avelãs e baunilha.
Como já seria de esperar a estrela do dia foi o António Vieira de Sousa 90th Anniversary Very Old Port (2200€, 100 pts.). Possui salinidade, acidez e densidade incríveis, o café que transporta é simplesmente arrebatador, o melaço é muito concentrado (quase caramelo mas com maior acidez e menos doçura) e tem ainda notas muito particulares a pinheiro, chã preto e verniz. Acaba (horas depois) com uma complexidade, textura e personalidade fascinantes. Um vinho de sonho!!!
Até no traje este vinho é distinto, engarrafado em garrafas Cristal artesanais adornadas com letras a ouro prata pela Atlantis. Nasceu nos "loucos anos 20", época de um enorme dinamismo cultural, artístico e social, uma década de mudança de valores e de libertação da mulher e de festas grandiosas pinceladas pelo vinho (apesar da Lei Seca imperar nos Estados Unidos).
Muito aconteceu nesses anos por Portugal e pelo resto do mundo, desde a grande depressão até ao nascimento de Martin Luther King, o homem que tinha um sonho. Foram os verdadeiros anos de loucura que ficaram para a história até hoje, 100 anos depois. Tudo isto, estava aprisionado nesta garrafa e libertou-se neste copo de vinho. Vejam lá que até tive a sensação de ouvir a When You're Smiling de Louis Armstrong quando o provei ;)
Parabéns Luís pela organização, mais uma vez, impecável e muito profissional, e por teres proporcionado um espaço muito mais funcional e cómodo ao evento, com o ambiente ENÓPHILO de sempre: o do vinho com sentido entre amigos.
Até para o ano, no sítio do costume ;)