Grande Discórdia branco 2018 | A elegância de um contraste equilibrado
"Toda a arte é um problema de equilíbrio entre dois opostos." Cesare Pavese
Na arte, o equilíbrio é um dos princípios básicos, aliado ao contraste, ao movimento, ao ritmo, ao ênfase, ao padrão, à unidade e à variedade. Esse equilíbrio artístico diz respeito ao modo como diferentes elementos (traços, formas, cores, valores, espaços, texturas, ritmos) se relacionam entre si, de modo a que todos se façam notar, mas sem que um se sobreponha a outro.
Nós, os humanos, talvez por sermos simétricos bilateralmente, temos um desejo natural de procurar coisas harmoniosas e equilibradas. É por isto que os artistas, de modo geral, se esforçam para criar obras de arte equilibradas.
Um quadro equilibrado, em que o peso visual está distribuído uniformemente pela tela, parece estável, faz com que a pessoa que o contempla se sinta confortável e num ambiente "seguro". Uma obra desequilibrada, dá uma sensação de instabilidade, criando uma certa tensão em quem a olha, parecendo quase que a incomoda.
Por vezes, há artistas que criam deliberadamente uma obra desequilibrada (o quadro Cavalos de corrida de Edgar Degas é um bom exemplo), mas isso é uma excepção na tendência geral do equilíbrio. Nos vinhos, este conceito de equilíbrio também é muito importante. A quantidade certa de cada componente/aroma/sensação ajuda a produzir um vinho equilibrado, agradável de beber, complexo no aroma, refrescante no palato e geralmente, mais caro ;).
É um "tipo" de vinho que nos garante doçura, acidez, fruta, taninos e álcool nas quantidades certas e que por isso tende a envelhecer melhor. Por vezes, o terroir dificulta a promoção desta sensação de harmonia, noutras é o principal agente equilibrante entre dois opostos.
Mértola, mais concretamente a vinha dos vinhos Discórdia, é um bom exemplo de como os contrastes podem ser equilibrados. A propriedade de 550 hectares está integrada no Parque Natural do Vale do Guadiana e numa paisagem povoada de matos mediterrânicos, alguns campos de cereais e significativas zonas de reflorestação com azinheiras, medronheiros e pinheiros.
A vinha do Discórdia foi plantada em 2009, em terrenos xistosos com ligeira elevação, voltados a norte e na proximidade do rio Guadiana. Uma terra cujos excessos originam vinhos de raça e frescos. Hoje "falo-vos" de dois, começando pelo Discórdia Branco 2018 (8.50 €, 86 pts.). De cor amarela-cítrica cristalina exibe aromas a damasco, papaia, manga, limonete e leve melaço. No palato tem nervo, volume e um final fresco. É um branco de Outono ou Primavera. ;)
O Grande Discórdia Branco 2018 (29.70 €, 90 pts.), é vinho de outra pipa, como diria o meu saudoso avô. No Alentejo de Mértola, agreste e quente, o controlo muito atento da maturação das uvas, a idade e localização da vinha, a casta usada na criação do vinho, a Arinto, e o estágio de nove meses em barricas usadas de 500 litros permitiram uma estrutura, uma complexidade e uma frescura, que em conjunto, não são comuns num alentejano (sobretudo a parte da acidez bem vincada).
Traja um amarelo-cítrico mais carregado que o anterior, com uma ténue auréola dourada. Exibe aromas complexos e equilibrados a cedro, hortelã-pimenta, maçã verde, lima, chocolate branco e uma deliciosa mineralidade salgada (quase como o mar que bate na rocha em dia de temporal).
No palato é ligeiramente untuoso, intenso, crocante, elegante, ponderado, muito fresco, harmonioso e tem uma certa rebeldia que lhe fica bem. Gostei sobretudo de conjugar, de forma elegante, a alma quente num corpo fresco. É um vinho que ainda precisa de garrafa, mas que já mostra ao que vem.
Ambos os vinhos acompanharam, muito bem, um Empadão de marisco com queijo Gouda e pesto, no entanto a mineralidade salgada do Grande Discórdia Branco 2018 fez com que se destacasse na harmonização.
Empadão de marisco com queijo Gouda e pesto:
-Façam um puré com batata, acrescentado (depois de passarem as batatas) noz-moscada, pimenta, sal, queijo parmesão, gemas de ovo e um pouco de brandy;
-Alourem um alho, uma cebola, pimento verde, pimento vermelho e alho-francês em azeite;
-Acrescentem o marisco que desejarem (eu coloquei sapateira, camarão, mexilhão e ameijoa), sal, pimenta, noz-moscada e paprika e cozinhem por mais 10 minutos;
-Acrescentem brandy e 2 tomates triturados;
-Num recipiente para ir ao forno, coloquem uma camada de puré, outra (generosa) do preparado de marisco e uma última de puré;
-Coloquem na parte superior um pouco de queijo parmesão e levem ao forno 20 minutos a 210ºC.
-Sirvam com queijo Gouda e pesto para dar um toque extra de frescura.