Grande prova da Discórdia | O clássico, o potente e o improvável
"Existem lugares que declaram a identidade das paisagens que habitam na própria alma." Joni Baltar
Os vinhos da Herdade Vale d’Évora confirmam o vigor e originalidade do oásis vitícola de Mértola. Deste baixo Alentejo quente e agreste surgem dois colheita distintos, um Syrah elegante, duas Tourigas em sinfonia na mesma garrafa, um Reserva que já é um clássico, e regressam também dois vinhos provocadores: um tinto pujante e um branco improvável. Está instalada a Discórdia.
Os vinhos Discórdia têm origem na vinha (uma das mais bonitas do país) de 10 hectares plantada na Herdade Vale d’ Évora, uma propriedade de 550 hectares integrada no Parque Natural do Vale do Guadiana, Baixo Alentejo. Plantada em 2009, esta vinha tem talhões de quatro castas tintas (Touriga Franca, Touriga Nacional, Alicante Bouschet e Syrah) e de três brancas (Arinto, Verdelho e Antão Vaz).
O seu terroir é marcado por uma paisagem de grande beleza, com terrenos de ondulação generosa, uma vegetação autóctone e o rio Guadiana que a serpenteia. Este é também um dos últimos redutos de caça selvagem do Alentejo (e do país) e é também um outro Alentejo dos vinhos.
A vinha está plantada numa das regiões mais quentes do país, terra árida e agreste, de solos xistosos, com proximidade ao rio Guadiana, que vive no limite e numa luta pela sobrevivência, resultando dessa condição fruta deliciosa e bastante concentrada.
Propriedade de duas famílias amigas seduzidas pelas terras de Mértola, a de Paulo Alho e a de Vítor Pereira, o projecto dos vinhos Discórdia começou em 2009, quando a família de Paulo Alho, empresário na área da construção civil natural de Sesimbra, decidiu plantar vinha no Baixo Alentejo, na Herdade Vale d’Évora, a qual havia adquirido em 2007.
Volvidos alguns anos, em 2016, juntou-se à equipa o novo sócio, Vítor Pereira, natural de Vila Nova de Famalicão, engenheiro civil de formação e também apreciador de vinhos e caçador frequente em terras de Mértola. Passando aos vinhos, o Discórdia Branco 2020 (8.90 €, 82 pts.) resulta de uma vindima manual, com selecção de cachos e desengace total.
A fermentação ocorre a temperatura controlada em cubas de inox, onde o vinho depois estagia. De porte amarelo citrino, é marcado por notas de papaia, casca de tangerina, maçã verde e flor de laranjeira. No palato é fresco, seco, harmonioso e equilibrado.
O seu camarada mais escuro, o Discórdia Tinto 2021 (8.90 €, 84 pts.) teve vindima manual, selecção de cachos, desengace total e fermentação com temperatura controlada em cubas de inox (onde ocorreu também o seu estágio). Rubi granado escuro, exibe frutos silvestres, pimento vermelho, bergamota e rosas.
Na boca é seco, fresco, subtil e estruturado. Já o Syrah da Discórdia 2020 (16.50 €, 88 pts.) que é resultante de vindima manual com selecção de cachos, desengace total, fermentação a temperatura controlada e estágio em barricas de 300 litros de carvalho Francês; veste um bonito rubi cristalino, emanando pimento vermelho, frutos silvestres, ameixa preta e pimenta preta.
Na boca é austero, seco, fresco e muito concentrado. As Tourigas da Discórdia 2020 (16.50 €, 90 pts.) tiveram o mesmo tratamento do seu homónimo Syrah, levando a um vinho rubi cristalino, com notas de ameixa preta, bergamota, compota de laranja, sous-bois, acácia-lima e grafite.
Na boca é carnudo, fino, elegante, harmonioso, longo e muito gastronómico. Quanto a mim, esta é a melhor edição deste vinho. Elevando um pouco a fasquia, o Discórdia Reserva Tinto 2020 (19.90 €, 91 pts.), o clássico, teve vindima manual, com selecção de cachos e desengace total.
A fermentação ocorreu a temperatura controlada, e o estágio foi feito por 12 meses em barricas de 300 litros de carvalho Francês. Rubi granado denso, transporta notas gulosas de frutos silvestres, pimento vermelho, ameixa preta, tabaco, baunilha e bosque. Na boca é super fresco, seco, elegante e muito equilibrado. Vai crescer, muito, em garrafa.
Nos topos de gama, o improvável Grande Discórdia branco 2020 (34.00 €, 92 pts.) tem uma vinificação semelhante aos outros brancos, mas com a fase final de fermentação e estágio (por nove meses) em barricas usadas de 500 litros.
De cor amarela citrina-palha, exibe sobranceiramente maracujá, pedregosidade (xisto partido), pinho, caruma, fumo, baunilha, amêndoa, rebuçado de laranja e maçã verde. Na boca tem uma acidez aguerrida e irreverente, é seco, ligeiramente untuoso e muito complexo. É uma pena ter sido bebido já, pois de todos os vinhos provados é aquele que mais precisa de tempo em garrafa para se mostrar em todo o seu esplendor.
Para fechar em grande, o Grande Discórdia tinto 2019 (67.50 €, 94 pts.) é produzido a partir das castas Touriga Franca (93%) e Alicante Bouschet (7%), apenas em anos de excelente qualidade. Estagiou em barricas novas de carvalho francês de 300 litros durante 18 meses, seguindo-se outros dois anos de estágio em garrafa.
No copo mostra-se vermelho sangue muito denso; no nariz com terra, tabaco esteva, mato, sous-bois, frutos silvestres, baunilha e tosta; e na boca fresco, seco, austero, elegante e untuoso. É outro que só ganha na garrafeira ;)
Existem lugares que declaram a identidade das paisagens que habitam na própria alma. Por vezes acontece o mesmo com os vinhos. Provados em conjunto, os da Discórdia para além de mostrarem que esta vinha é resultado de muito mais do que uma simples sucessão de oportunidades para sobreviver, passeiam intensidade, frescura e a tal identidade.