Herdade do Moinho Branco Antão Vaz 2018 | O mar que lhe traçou a estrada
"E tragam os lençóis de seda pois não sou mulher de usar os de algodão." Marilyn Monroe
A definição mais aceite de terroir pode ser resumida na forma como o meio ambiente da vinha ajuda a moldar a qualidade do vinho. Factores químicos como a composição dos solos, o seu aspecto, a sua drenagem, o tipo de clima e até mesmo o declive têm uma forte influência não só sobre o modo como a videira cresce mas também no tipo de uvas que estas produzem. O clima é obviamente um factor determinante na qualidade final do vinho, mas as diferenças organolépticas detectadas em vinhos produzidos em vinhas vizinhas, onde existe apenas uma pequena variação no tipo de solo (a Borgonha é um caso muito particular disto), mostra que o clima não é tudo.
A segunda definição assume o terroir como resultado de uma espécie de "sabor local": quando um vinho, ano após ano, evidencia sentido de pertença a um determinado lugar. Isto vem trazer o factor humano para a ribalta, dado que as práticas tradicionais vão influenciar, evidentemente, o sabor do vinho. Uma terceira definição resulta do termo francês goût de terroir. Aplica-se quando conseguimos "provar" o terroir do vinho.
Sendo um pouco mais rigoroso, esta expressão era usada apenas para descrever vinhos rústicos ou terrosos, e não era um termo normalmente usado para vinhos finos. Por último, e de modo, na minha opinião, redutor, o termo terroir pode ser utilizado para descrever geograficamente o local onde se encontra plantada a vinha, independentemente do vinho que produz, de quem o produz e como é produzido. Expressões como "este é um bom terroir" ou '"o terroir desta quinta é argila e daquela é calcário" resultam dessa visão limitada.
Para mim, no entanto, a melhor definição é a do terroir ser uma espécie de estrada, construída simbioticamente pelo clima, pelo solo, pela flora, pelas técnicas e pelas pessoas de uma determinada região, que "força" um vinho a direccionar-se segundo um determinado perfil. Isto faz com que os vinhos, ano após ano, apesar de reflectirem as condições particulares de um determinado ano, possam manter uma "herança sensorial" que permanece inalterada, vindima após vindima. Um bom exemplo deste legado de aromas e sabores é o Herdade do Moinho Branco Antão Vaz 2018 (93 pts., 39.90 €).
Nascido à sombra da Serra do Mendro e influenciado pelas particularidades inigualáveis da região da Vidigueira (clima mediterrânico com grande influência Atlântica, assim como uma ligeira "continentalidade" no período Primavera-Verão), apresenta-se como um vinho branco de qualidade superior, feito a partir da casta Antão Vaz, ex libris e autóctone da região da Vidigueira. Um perfil único e diferente, extraído das vinhas velhas, que possuem uma concentração muito forte, mas também fruto de uma vinificação muito cuidada em barricas novas de carvalho francês de 500L. Este é, sem dúvida nenhuma, um belo terroir ;)
De cor cristalina amarelo citrina exibe deliciosos aromas a flor de laranjeira, casca de laranja cristalizada, papaia, pimenta branca, caixa de tabaco e uma mineralidade assertiva (xisto molhado). No palato é denso e elegante, entrando com uma acidez firme e vibrante, com uma textura cremosa e crocante, e com uma (muito) subtil alma salina que me conquistou. Vai evoluir bem e por muito tempo em garrafa. Combinou na perfeição com uns Lombos de robalo, puré de batata doce e papaia, cogumelos confitados, chia e bróculos baby.
Tive ainda o prazer de conversar um pouco com o rubi-límpido Herdade do Moinho Branco Alicante Bouschet 2015 (92 pts., 39.90 €). No nariz é denso e complexo com notas equilibradas a frutos silvestres, ameixa preta, mirtilos, café, melaço e alcaçuz. Na boca, e ao contrário do Antão Vaz, está prontíssimo a beber com taninos redondos, boa frescura, uma elegância envolta em lençóis de seda e uma mineralidade salina inebriante.
Estes são vinhos sedosos cujo sabor e características únicas expressam de forma muito bonita as castas criteriosamente seleccionadas, o microclima da região de Vidigueira e a paixão de toda a equipa: o tal “terroir”, no qual o mar, apesar de longínquo, também teve uma palavra a dizer, ajudando a traçar a tal estrada, através de uma salinidade tão subtil quanto agradável e generosa. Parabéns pela originalidade, pela memória e pela qualidade.
Lombos de robalo, puré de batata doce e papaia, cogumelos confitados, chia e bróculos baby: