Kopke 10 anos Branco e Tawny | O teste da lágrima
"Encontrei uma preta, que estava a chorar, pedi-lhe uma lágrima para a analisar. Recolhi a lágrima, com todo o cuidado, num tubo de ensaio, bem esterilizado... Ensaiei a frio, experimentei ao lume, de todas as vezes deu-me o que é costume: Nem sinais de negro, nem vestígios de ódio. Água (quase tudo) e cloreto de sódio." António Gedeão
O belo poema “Lágrima de Preta" foi escrito por António Gedeão, pseudónimo do professor Rómulo de Carvalho. Apaixonado por ciência, Rómulo de Carvalho cedo se interessou pela racionalização daquilo que o rodeava, não sendo por isso surpresa que tenha escolhido o curso de "Ensino de Física e Química" para a sua formação superior. Uma pequena nota, antes de continuar, apenas para referir que este nobre curso, é tido por muitos como o melhor que alguma vez já existiu. ;)
Após concluir este dificílimo curso, Rómulo de Carvalho começa por estagiar no liceu Pedro Nunes e ensinar durante 14 anos no liceu Camões, ambos em Lisboa, sendo mais tarde convidado para dar aulas no liceu D. João III, em Coimbra, permanecendo aí até, passados 8 anos, regressar a Lisboa, para assumir o cargo de professor formador do grupo de Física e Química no liceu Pedro Nunes. Exigente, dedicado e comunicador por excelência, para Rómulo de Carvalho ensinar era mais que um trabalho. "Ser Professor tem de ser uma paixão - pode ser uma paixão fria mas tem de ser uma paixão. Uma dedicação", dizia ele.
Para além desta evidente paixão, este homem multifacetado realizou-te também com investigador, historiador, escritor, fotógrafo, pintor e ilustrador. Apesar de toda esta intensa e diversificada actividade, Rómulo de Carvalho escondia outro talento em forma de amor pelas palavras "rimantes": a poesia. Porém, pensando que a sua obra poética não possuía qualidade suficiente (não podem esquecer que para alguém com aquele curso, a exigência está sempre no nível máximo ;)) resolve não a tornar pública, chegando mesmo a destruir boa parte dela.
Só em 1956 (Rómulo de Carvalho nasceu em 1906), após ter participado num concurso de poesia, publica o primeiro livro de poemas chamado Movimento Perpétuo. No entanto, o livro aparece como tendo sido escrito por outra pessoa, um tal de António Gedeão, remetendo Rómulo de Carvalho para o anonimato a que se votou. Este primeiro livro é aclamado pela crítica levando a que Rómulo de Carvalho através de António Gedeão, continuasse a publicar poesia, aventurando-se, depois, no teatro e anos mais tarde, no ensaio e na ficção. A obra de Gedeão permanece um enigma para os especialistas, uma vez que surgiu, estranha e incomummente, apenas aos 50 anos, e com um estilo muito particular, que não se enquadra de modo óbvio, em qualquer movimento literário.
Se ainda assim quiséssemos encontrar uma categoria para catalogar a poesia de Rómulo de Carvalho, diríamos que este poeta procurava dar enquadramento geracional aos problemas comuns da sociedade portuguesa existentes na sua época. As suas palavras conciliam de modo sublime a poesia com a ciência, a realidade com o sonho e o pragmatismo com a esperança. Apesar destes conceitos "bipolares" parecerem antagónicos, em Gedeão, provinham da mesma fonte e completavam-se, e esta é a parte mais bonita da sua obra.
Estas características são levadas ao expoente máximo no poema "Lágrima de Preta", onde o poeta analisa, em forma de relatório científico, a lágrima de uma mulher preta, testando-a e concluindo que essa lágrima era igual à de toda a gente, sendo a sua natureza independente da cor da pele. Rómulo de Carvalho lutou através das palavras pela igualdade de direitos, de deveres, de sonhos e de esperança. A sua visão clareada pela luz da ciência e da bondade, tem muita actualidade, num mundo onde a vida batalha contra a morte, a liberdade contra a opressão, a integridade contra a aparência e a inteligência contra a estupidez: mas com armas de calibre bastante diferente.
Há quem o recorde como o alquimista dos sonhos e da igualdade. Mas também como promotor das mais valias resultantes da diferença e da identidade. Foi também quem criou uma espécie de "teste da lágrima" com o qual devemos avaliar a integridade, os valores, a diferença e a identidade de uma pessoa em deterimento da sua cor. Dado que para Rómulo de Carvalho o sonho também era vinho (facto bem demonstrado na Pedra Filosofal ou na Estrela da Manhã), um bom exemplo do respeito pelas diferenças numa matriz de igualdade é o vinho do Porto. ;)
Há-os para todos os gostos, brancos, Tawnys, tintos e até rosas. Hoje falo-vos de dois deles, ambos da Kopke, o 10 anos Branco e o 10 anos Tawny, que nos mostram que aquilo que somos é bem mais complexo do que a cor com que nos possamos apresentar. Como o próprio nome indica, as uvas que lhes dão origem são diferentes, num caso brancas e noutro tintas. Têm, no entanto, o mesmo tipo de estágio, em madeira durante períodos de tempo variáveis, nos quais a idade mencionada no rótulo corresponde à média aproximada das idades dos diferentes vinhos participantes no lote, neste caso 10 anos, expressando o carácter do vinho no que respeita às características conferidas pelo envelhecimento em casco.
O Kopke Porto Branco 10 Anos (30.00 €, 92 pts.) traja uma elegante cor amarela-dourada. No nariz é muito complexo, com notas a amêndoa, nozes, damasco, laranja, canela, tosta e caixa de tabaco. No palato é redondo, delicado, crocante, longo e exibe um bom equilíbrio entre doçura e acidez. Ligou lindamente com uma Terrine de foie gras e pera bêbada. Por sua vez o Kopke Porto Tawny 10 Anos (25.00 €, 88 pts.), rubi-âmbar, exibe aromas a ameixa seca, figos secos, nozes, amêndoas, cravo e melaço.
Na boca passeia-se com volume, intensidade, complexidade, frescura e suavidade. Combinou muito bem com um Pão de ló com amêndoa. Espero que com este texto, não me acusem de racismo devido às classificações que atribuí aos vinhos. ;) O certo é que preferi o Branco, por ser muito diferenciado daquilo que normalmente encontramos.
Quer o Branco quer o Tawny demonstram bem a arte secular do blend no Vinho do Porto construída pela Kopke. A elevada exigência na escolha das uvas, aliada à selecção cuidadosa de cascos de diferentes anos e de qualidade extrema, faz com que estes vinhos se diferenciem e se tornem absolutamente sedutores: História, exclusividade, diferença e identidade fazem com que estes vinhos tenham passado no teste da lágrima ;)
Terrine de foie gras e pera bêbada:
-Façam uma compota com maça e figos, acrescentando um pouco de Vinho do Porto Branco;
-"Pintem" o foie gras com a compota anterior e polvilhem com amêndoa;
-Cubram a parte superior com a compota restante e um pouco de ameixa confitada (do caldo da pera bêbada).
-Para a pera bêbada descasquem as peras inteiras (cortando a base de modo a que depois seja mais fácil empratar) e cortem um pouco de ameixa vermelha, regando tudo com um pouco de sumo de limão. Levem a fruta ao lume com o açúcar amarelo, vinho do Porto Rubi e alguma água (a quantidade de água deve ser metade da de vinho). Juntem um pau de canela e anis estrelado. Depois de estarem cozidas, sirvam-nas bem frescas.
Pão de ló com amêndoa:
-Preparem o recipiente onde vão cozer o pão de ló, forrando-ocom papel de levar ao forno;
-Deitem 5 ovos ,10 gemas, 150 g de amêndoas palitadas e 250 g de açúcar numa tigela e misturem tudo durante meia hora com o auxilio de uma batedeira;
-Juntem ao preparado anterior 200g de farinha peneirada, aos poucos, envolvendo subtilmente com a ajuda de uma colher de pau. Deitem o preparado no recipiente, tapando com papel de alumínio e levem a cozer no forno a 225ºC, durante aproximadamente 35 minutos.