LOCO Restaurante | Cada lugar teu
"Somente os imbecis não são gulosos. Ser guloso é como ser artista, como ser instruído, como ser poeta. O paladar, meu caro, é tão respeitável como o olho e a orelha. Não ter paladar é estar privado de uma faculdade deliciosa, a faculdade de discernir a qualidade dos alimentos, é como estar privado de perceber as qualidades de um livro ou de uma obra de arte; é estar privado de um sentido essencial, de uma parte da superioridade humana" Guy de Maupassant
Mark Twain defende que viajar elimina preconceitos, intolerâncias e mentes fechadas. Os pontos de vista amplos, plenos e solidários em relação aos homens e às coisas não podem ser adquiridos por quem permanece em uma pequena parte do mundo a vida inteira. Aplico a mesma regra à gastronomia.
Um bom Chefe deve promover dentro do seu restaurante uma viagem, que de uma ou de outra maneira nos deve levar a conhecer algo, que não encontraríamos se não tivéssemos entrado nas portas do seu estabelecimento. Um belo exemplo desta viagem pelos sabores desconhecidos é o LOCO do Chefe Alexandre Silva. Os portugueses conhecem-no do programa Top Chef, da RTP1, que venceu em 2012.
No LOCO existem dois menus disponíveis: o Descobrir, uma espécie de introdução à cozinha de Alexandre Silva, e o LOCO, o menu total, com um mínimo de 18 momentos, tão imprevisível e surpreendente como o conceito do restaurante. Foi este último que tive o prazer de desfrutar na companhia da minha esposa.
O Loco veste um casual chic, assente numa única sala com design inesperado, sem atoalhados, com uma open kitchen e um ambiente que promove a relação saudável, ponderada e prazerosa entre os clientes e toda a equipa do restaurante.
As boas-vindas são dadas com a nossa versão do pastel de bacalhau; mexilhão, maçã verde e raíz de aipo e o fricassé de cédrat e daikon. Muito frescas, vegetais, envolventes e sobretudo alegres. Em conjunto com a mineralidade, acidez e fruta tropical do Quinta de Saes Branco 2016 tiveram o condão de despertar todas as papilas gustativas do palato.
A viagem por cada lugar que o Chefe Alexandre Silva quis que visitássemos continuou com os morangos e tomates de 2017 fermentados com sumo de tomate e óleo de lúcia-lima. É um prato "enganador". Estamos à espera de algo doce mas surgem aromas salgados e alimonados que nos remetem para uma parte bonita da superioridade humana, pois é um prato que agrada tanto ao palato como ao intelecto.
Seguiram-se a orientalidade explosiva da ameijoa em folha de nabiça ao vapor, a intensidade e irreverência do crocante de porco com ketchup de ruibarbo, e a maresia da tartlet de espelta com alho negro e cecina.
Uma das coisas que diferencia este espaço, consiste na visita à mesa por parte de toda a equipa, incluindo a de cozinha. Nas conversas que vão surgindo, para além de percebermos um pouco da história de cada local que foi incluído no menu, percebemos uma faculdade deliciosa que por vezes negligenciamos, a faculdade de discernirmos a qualidade dos alimentos.
São quase como os guias que nos ajudam a perceber verdadeiramente um livro, uma peça ou uma obra de arte. O sabugueiro, arroz tostado, mel e pimenta rosa serviu como entreato dividindo o menu em dois. Um mais fresco que findava naquele instante, outro mais intenso e voluptuoso que se iniciaria momentos depois com o "momento do pão".
No LOCO o pão passa de elemento apenas “decorativo” a um momento especial do jantar. E há pão para todos os gostos, o rústico (branco), feito todos os dias, e a criação do dia. Neste verdadeiro Silicon Valley da panificação, já foram criados pães feitos à base de cânhamo, frutos secos, com diferentes tipos de farinha, bergamota, com inclusão de citrinos e até mesmo com o aproveitamento do mosto de cerveja.
Foi acompanhado pelo molho de bife à portuguesa, manteiga de natas e lima, flor-de-sal, azeite do Douro e pela fruta, mineralidade e perfume do Terrenus 2016. A frescura do vinho, assumiu-se ainda como um óptimo aliado do tamboril do mar ao vapor com códium, ervas aromáticas, manteiga fumada e pérolas de tapioca.
Mais uma vez os sentidos voltam a ser "enganados", cheira a mar mas na boca é algo doce, o fumado acrescenta-lhe complexidade e a ausência de sal ... inovação. Surpreendente, rico e harmonioso.
Para acompanhar o primeiro prato de carne foi apresentada a austeridade, mineralidade (granito) e citrinos do Vale da Capucha Arinto 2015.
A codorniz maturada em feno, pomelo, amaranto, morango e amendoim foi mostrada minutos antes de ser servida, a fim de poder repousar, permitindo libertar os sucos e aromas. Apenas foram empratados alguns filetes da codorniz inicial e o resultado é uma criação dinâmica em que inicialmente se sente o sabor da amargura do pomelo, depois o doce do amaranto e por fim o torrado do amendoim. Todos este sabores engrandecem a untuosidade e subtilieza da perdiz.
Seguiu-se o meu prato preferido, magret de pato curado e levemente fumado, puré de maçã e couve portuguesa queimada. O pato foi curado como se de um "presunto" se tratasse, perdeu aquela crocância mais típica mas ganhou dimensão no palato. A gordura, untuosidadade e "exagero voluptuoso" do pato são equilibrados pela doçura do puré e a frescura da couve.
A queima da couve criou uma ponte gastronómica entre todos os elementos do prato, que ganhou ainda maior expressão com a densidade, ameixa vermelha, groselha e pimenta rosa do Duas Árvores Reserva Tinto 2014. Os seus taninos bastante sedosos aliados aos aromas do prato criaram um final de boca muito interessante.
Antes da sobremesa, lingua de vitela a baixa temperatura e molho de moscatel roxo. Cozinhada durante três dias consecutivos a carne ganhou sabor, elegância e uma textura nobre. Torna aristrocata um corte desvalorizado, através da sua confecção lenta e conjugação com um molho bastante rico, que em vez de se sobrepor à carne, a faz engrandecer.
O sorvete de couve e granizado de trevos não serviu apenas para nos limpar o palato. Serviu também para realçar mais um pormaior do LOCO. O de que todos os momentos contam para mostrar a excelência do que fazemos, inclusivé o corta-sabores. Carregado de memórias, frescura e criatividade, este foi um dos momentos altos da refeição.
Nas sobremesas (pouco doces e ainda bem :-P) pera, pera e mais pera e sorvete de amendoa, granola de centeio, com kefir de leite de ovelha e infusão de beterraba e lavanda. A pera servida em diversas texturas e intensidades encheu a alma de exostismo e desaforo enquanto que a amêndoa nos provou que a complexidade e fusão de lugares muitas vezes dispensa a doçura. Os frutos secos, especiarias e ligeiro picante do Blandys 10 anos Verdelho Madeira foram um óptimo complemento para ambas as sobremesas.
Para o final, mais um momento, mais um lugar, mais um elemento da refeição que não é deixado ao acaso: o café. Um café que, por si só, vale a visita ao LOCO. Aqui o tempo pára. Conforto, nostalgia e comodidade convidam a uma conversa agradável num restaurante que faz com que os clientes se sintam em casa.
O café é servido com pompa e circunstância, à temperatura ambiente para que sejam sentidos todos os seus componentes, prolongando o prazer e convertendo esta viagem gastro-sensorial numa experiência inesquecível.
A entrega do menu, com imagens pintadas de cada prato pretende que cada um dos locais que visitamos pelas mãos do Chefe Alexandre Silva, neste menu, se imortalize, como se de uma mapa se tratasse.
Este é um restaurante diferente, desde o tempo de serviço incrivelmente curto, à delicadeza e uniformidade na colocação dos talheres passando pelos detalhes do pão, do corta-sabores, do café, do petit four e da entrega do menu. Somos enganados pelos sentidos, mais que isso, queremos ser engadados pelos sentidos. No final, tudo faz sentido...
LOCO significa no lugar, ou seja, na cozinha. E a cozinha é o coração do Chef Alexandre Silva e da sua equipa. Isso está bem evidente em cada prato que nos colocu na mesa, parabéns!!!
Um agradecimento especial à My Nanny por ter tomado conta (de uma maneira muito carinhosa e ternurenta) da nossa bebé, enquanto desfrutávamos desta maravilhosa experência.
LOCO Restaurante
Rua dos Navegantes, nº53-B, 1200-731 Lisboa
213 951 861
http://www.loco.pt/