Maison Albar Le Monumental Palace e Le Monument | O narrador omnisciente
“A verdadeira viagem da descoberta não consiste em procurar novas paisagens, mas em ter novos olhos.” Marcel Proust.
Há livros que nos ensinam a olhar para o mundo de forma diferente. Em "O Tempo Redescoberto", o último volume de "Em Busca do Tempo Perdido", Marcel Proust conclui a sua monumental obra com uma reflexão sobre a memória e a arte de viver.
Este não é apenas um marco da literatura francesa, mas também um belo exercício de memória, um convite à contemplação da experiência sensorial. A icónica passagem da madeleine embebida em chá simboliza a capacidade de um sabor nos transportar para o passado, evocando sentimentos e lugares esquecidos.
É precisamente essa magia que encontramos à mesa do restaurante Le Monument, onde o chef Julien Montbabut resgata a essência dos produtos portugueses através da sofisticação da cozinha francesa, criando momentos de pura evocação sensorial.
Tal como Proust descreve cada detalhe do seu universo com precisão quase pictórica, Montbabut constrói pratos que se vão assumindo como verdadeiras narrativas gastronómicas.
A cozinha do Le Monument não se limita a técnicas exímias; é um jogo de memória, elegância e harmonia, um diálogo entre tradição e inovação, entre Portugal e França.
Aqui, cada prato é uma página de um romance onde os sabores, texturas e temperaturas são orquestrados com mestria. O Maison Albar Le Monumental Palace, com a sua imponência e requinte, é o cenário perfeito para essa viagem. Inspirado no charme da Belle Époque, este hotel cinco estrelas é um refúgio de luxo onde o conforto moderno se alia ao esplendor do passado. Voltarei a ele mais tarde.
A experiência começa muito antes do primeiro prato, com um serviço discreto e atencioso, que antecipa cada necessidade do hóspede, tal como um narrador omnisciente prepara o leitor para os acontecimentos que se seguem.
A viagem começa com Sentir-se Português, um delicado pão folhado com flor de sal e azeite exclusivo Le Monument do Vale de Vasco. A simplicidade dos ingredientes realça a profundidade dos sabores, proporcionando uma entrada subtil mas marcante, numa demonstração do respeito do chef pelos produtos nacionais, dando-lhe num entanto uns "pozinhos" da pastelaria francesa.
No Despertar dos Sentidos, o bambu, o lírio e o porco unem-se numa combinação inesperada. A fusão de texturas e a riqueza aromática evocam uma complexidade surpreendente, onde cada elemento encontra o seu equilíbrio. Aqui, Montbabut aplica a sua precisão técnica para harmonizar elementos improváveis com fluidez e elegância.
A Água Viva exibe a truta salmonada acompanhada de amêndoa, alho negro e molho de ervas. O contraste entre a suavidade do peixe e a intensidade do alho negro cria uma profundidade gustativa que se prolonga no paladar, reflectindo a abordagem refinada e minuciosa do chef na escolha das combinações de sabor, uma assinatura de Montbabut que define a sua visão da alta cozinha.
O Clássico traz a sapateira realçada com mostarda Savora e yuzu. A doçura do crustáceo é acentuada pela acidez cítrica, criando um jogo de sabores que desperta a memória gustativa. Mais uma vez, Montbabut resgata a essência de um produto nobre e eleva-o com um toque contemporâneo. Este continua um dos meus favoritos ;)
O mar ressurge com A Aula de Surf, onde mariscos, plantas marinhas e água de sabor marítimo formam um prato que traduz a essência do oceano.
Este é um prato que demonstra um profundo conhecimento da matéria-prima, oferecendo uma interpretação pura e imersiva da costa atlântica portuguesa.
Em Cheira a São João, a sardinha é harmonizada com funcho e pepino, reinterpretando um clássico das festividades portuenses com um toque de leveza e sofisticação.
A influência francesa do chef é sentida na precisão da apresentação e no equilíbrio dos sabores. O prato Primavera aposta na ervilha, no choco e no alho aromático para criar uma explosão de frescura.
A doçura vegetal da ervilha equilibra-se com a suculência do choco, num prato que celebra o renascimento da natureza. A atenção de Montbabut à sazonalidade reflecte-se na escolha meticulosa dos ingredientes.
Matosinhos – O Meu Mercado Favorito apresenta o tamboril acompanhado de curgete e queijo dos Açores. A robustez do peixe alia-se à cremosidade do queijo, elevando a tradição marítima da região.
O protagonismo do mar continua com Ex-Líbris, onde o lavagante azul é fumado em rama de videira e servido com molho de vinho tinto do Douro. A fusão do fumo e da acidez vínica resulta numa experiência gastronómica inesquecível e original.
Na Poupança de Água é destacado o pombo, harmonizado com alface hidropónica e pistácio. A carne rosada e tenra do pombo ganha profundidade com a crocância do fruto seco e a frescura da alface, numa composição que demonstra enorme rigor técnico na confeção de carnes delicadas.
Segue-se Autóctone, onde a vitela maturada se encontra com couve-flor e cogumelo avinagrado. A intensidade da carne é equilibrada pela acidez subtil do cogumelo e pela leveza da couve-flor, num prato onde a maturação e os contrastes são protagonistas sob a supervisão de Montbabut.
A frescura frutada chega com Das Ilhas, onde a água de maracujá e o ananás dos Açores protagonizam um interlúdio refrescante antes das sobremesas. O respeito pela origem dos ingredientes e a sua combinação refinada são também uma impressão digital do chef.
As sobremesas são um capítulo à parte. Da Joana veio a banana da Madeira, noz de coco e lima unem-se à cereja do Fundão, baunilha e chocolate do Brasil, criando uma sobremesa dividida em diferentes pratos mais equilibrada entre o exotismo, o conforto e a gula. A doçura das frutas é suavemente contrastada pela acidez da lima, num final delicado e bem orquestrado, em que há sempre um crescendo de intensidade de sabor.
O percurso finaliza com Última Paragem, uma infusão exclusiva Le Monument, acompanhada por petits fours, encerrando a refeição com um momento de serenidade e harmonia. A atenção ao detalhe prolonga-se até ao último instante.
A experiência gastronómica é elevada pela harmonização vínica, onde a selecção de vinhos realça e amplifica os sabores de cada prato. Desde brancos minerais dos Açores a tintos estruturados do Douro, passando por néctares envelhecidos, Portos antigos e alguns ícones que trazem novas camadas de complexidade e aristocracia à degustação.
Os vinhos não são meros acompanhamentos, mas personagens fundamentais na narrativa gastronómica do Le Monument. Como uma orquestra bem afinada, cada nota vínica complementa os sabores do prato, elevando-os a um nível superior.
Como complemento a tudo isto, o Le Grand Déjeuner oferece uma experiência mais informal, mas nem por isso menos requintada. Entre pratos que celebram a tradição do pequeno-almoço e almoço europeu, destacam-se as panquecas com xarope de ácer e os ovos biológicos com ingredientes frescos. O equilíbrio entre indulgência e leveza define esta carta, garantindo que cada refeição seja um momento de puro prazer.
Voltando ao hotel, porque falei pouco dele, os quartos e suites combinam conforto e requinte com muita serenidade. O equilíbrio entre a herança da Belle Époque e o design contemporâneo cria um ambiente que não se impõe, mas convida ao descanso. Luz natural, texturas cuidadas e um sentido de proporção bem medido fazem destes espaços uma extensão natural da cidade que os rodeia.
Localizado no coração do Porto, o hotel usufrui da envolvência de uma cidade que vive entre o passado e o presente. A partir daqui, o ritmo urbano pode ser observado sem pressa, como se cada rua e praça oferecessem um novo ponto de vista sobre a história e o quotidiano.
O pequeno-almoço no Maison Albar Le Monumental Palace reflete a atenção ao detalhe que caracteriza toda a experiência do hotel. A pastelaria artesanal, os ingredientes frescos e a apresentação cuidada fazem com que a primeira refeição do dia seja mais do que uma rotina: é uma introdução serena ao tempo vivido dentro destas paredes.
O spa Grand Bleu oferece um intervalo de calma, pensado para aqueles que procuram um momento de pausa sem artifícios desnecessários. As águas e tratamentos seguem uma lógica simples: restaurar sem distracções, equilibrar sem exigir esforço. Como em toda a experiência do hotel, o luxo aqui não se mede pela ostentação, mas pela precisão com que cada detalhe é pensado.
O serviço pauta-se por uma discrição eficiente, em que a atenção ao hóspede não se traduz em exagero, mas em antecipação subtil das suas necessidades. Cada interacção parece calculada para garantir conforto sem interferências, permitindo que a experiência do espaço e da cidade se desenrole naturalmente.
Os interiores do hotel mantêm uma relação respeitosa com a sua história. Elementos clássicos e contemporâneos coexistem sem esforço, preservando um sentido de continuidade. Nada aqui pretende parecer intocado pelo tempo, mas antes adaptado a ele, como um espaço que se transforma sem perder a identidade.
A transição entre os diferentes espaços do hotel é fluida, quase imperceptível. Do quarto ao restaurante, do spa à cidade, há um fio condutor que mantém uma coerência sensorial. A experiência não é fragmentada, mas construída como uma narrativa bem estruturada, onde cada elemento encontra o seu lugar sem redundâncias.
Assim, o Maison Albar Le Monumental Palace não se impõe apenas como um destino em si (que também o é), mas como um ponto de passagem que amplifica a experiência da cidade. Mais do que um hotel, é um espaço que enquadra, sem esforço, aqueles que nele se hospedam, permitindo-lhes uma vivência do Porto que se desenrola ao seu próprio ritmo.
Se há algo que a literatura, a gastronomia e os hotéis de charme partilham, é a capacidade de revelar a essência das coisas através da sensibilidade e do tempo...
A frase de Marcel Proust com que iniciei para além de ser uma reflexão sobre a memória, é também um convite a ver além do óbvio, a compreender que a suntuosidade que verdadeiramente importa não está no excesso, mas na atenção ao detalhe, na capacidade de transformar o comum em algo eterno.
No restaurante Le Monument, cada prato não é apenas degustado, mas vivido: uma experiência que se sedimenta na memória como um fragmento de tempo resgatado.
O ato de comer, quando elevado à arte, não é apenas uma necessidade física, mas uma manifestação da cultura, do território e do espírito humano. O que Julien Montbabut faz não é "simplesmente" cozinhar. Ele estrutura narrativas gustativas, cada prato uma linha de um texto invisível onde a tradição e a inovação dialogam, onde o passado não é esquecido, mas reescrito com uma nova gramática de sabor.
A cozinha, assim como a literatura, permite-nos viajar sem sair do lugar, descobrir sem precisar de ir longe, tudo isto porque a verdadeira descoberta está no olhar, e não no destino.
Tal como um grande livro que se revela na última página, a experiência no Le Monument não se esgota no momento presente. É uma memória em construção, uma sensação que se desdobra ao longo do tempo, um eco que ressoa muito depois da refeição terminar. Não há urgência aqui, apenas a certeza de que aquilo que é feito com mestria resiste ao esquecimento. Num mundo onde tudo parece efémero, a verdadeira arte está em criar o que perdura.
A viagem sensorial proporcionada por Julien Montbabut e pela chef pasteleira Joana Thöny ensina-nos que o prazer não está apenas na novidade, mas na reinvenção do que já conhecemos. O luxo, no seu significado mais puro, é a capacidade de se perder na experiência e permitir que ela nos transforme. E talvez seja isso que define o Maison Albar Le Monumental Palace: um lugar onde o tempo não é um inimigo, mas um cúmplice na criação de algo intemporal.
Nota final: Desta vez, fotografei no escritório do chef com vista para a cozinha (para ter mais luz) onde pude observar de perto a dinâmica da equipa. Montbabut lidera com uma serenidade que se traduz em precisão e harmonia. Há um sentido de cooperação genuíno, onde todos fazem parte do mesmo mecanismo, desde ele até ao copeiro. Só poderia ser assim num espaço onde a gastronomia não é um ato solitário de criação, mas uma construção colectiva, meticulosa e humanizada, onde o rigor não anula a empatia e onde cada gesto contribui para a experiência final à mesa.