Munique | Afinal, quem inventou o Natal?
"Gostaria, em suma - e devo confessá-lo francamente - , de poder gozar as inocentes liberdades permitidas a uma criança, mas sendo suficientemente homem para as apreciar." Charles Dickens
Vi, pela primeira vez, na semana passada, o filme "O Homem que Inventou o Natal" e com os riscos decorrentes da enfatização pela novidade, posso afirmar que entra para a lista dos meus favoritos. A história passa-se em Londres no ano de 1840 e mostra-nos como o escritor Charles Dickens escreveu "A Christmas Carol"
Apesar de já possuir no seu currículo alguns romances de sucesso (The Pickwick Papers - 1836 e
Oliver Twist - 1837, são apenas dois dos mais conhecidos) Dickens passa por uma série de obras literárias mal recebidas pelo publico e pela critica.
Esse fracasso recente faz Charles Dickens atravessar uma enorme crise financeira (no preciso momento em que a sua esposa está grávida de mais um filho: o escritor teve na totalidade 10!!!). Derrotado e sentindo a pressão de encontrar sustento para a família, vê-se incapaz de encontrar a inspiração de que precisa.
É então que, num momento de puro génio, lhe surge a personagem Ebenezer Scrooge, um velho de coração duro que não acredita no espírito natalício. Scrooge viria a tornar-se a figura central de "Um Conto de Natal", considerada por muitos, eu incluído, uma das mais importantes/bonitas histórias alguma vez escritas.
Apesar de nesse momento de sublime inspiração, relacionado com criação filosófica da personagem principal, Dickens tem apenas seis semanas para escrever e publicar o livro, para que seja colocado nas prateleiras antes do Natal, altura mais propicia para o vender.
O filme que retrata as aventuras e desventuras de Dickens durante essas seis semanas, enquanto escreve "Um Conto de Natal", mistura de modo muito interessante literatura, cinema e teatro. "Um Conto de Natal" vai-se construindo num diálogo entre autor e personagens (quem será o autor e quem será personagem?), sempre com Ebenezer Scrooge no centro do enredo.
Tudo isto fez-me voltar a ler "Um Conto de Natal", livro inúmeras vezes adaptado ao teatro, cinema e televisão, poucos serão aqueles que ainda não ouviram falar do fantasma do Natal Passado, do fantasma do Natal Presente, do Fantasma do Natal Futuro e do velho avarento Scrooge que é visitado por estes espíritos que lhe tentam transmitir o verdadeiro sentido do Natal (para os que ainda não leram aproveitem a quadra que atravessamos para o fazer: ainda por cima é um livro pequeno).
"Um Conto de Natal" acaba por imortalizar e enriquecer Dickens (foram vendidas 6.000 cópias apenas na primeira semana), mas também fez muito pelos mais pobres. Logo após a sua publicação houve um aumento nas doações para a caridade e muitos acreditam que isso se deveu, pelo menos em parte, à moral, ao modo de encarar a vida e aos valores que o livro nos transmite.
Mas o legado deste livro é ainda maior, pois mudou, para sempre, esta época festiva, transformando-a na maravilhosa celebração que todos amamos. É Dickens através deste livro que introduz uma série de chavões, costumes e celebrações que se estabeleceram ou se tornaram moda graças a ele.
Antes dele, o Natal estava enfraquecido. Com o crescimento do Puritanismo por terras de sua majestade, havia quase que uma repulsa ao feriado e aos valores associado a ele. A Páscoa era o principal feriado religioso. Era apenas em áreas isoladas do interior (incluindo a área rural onde Dickens passava com sua família os 25 de Dezembro com frio e neve), que a celebração do Natal ainda encontrava algum eco.
Em 1848 Dickens encontra um comparsa para a sua missão de salvar o Natal. Após ter lido "Um Conto de Natal", o Príncipe com sorte alemão Alberto de Saxe-Coburgo-Gota, recém-casado com a rainha Victória de Inglaterra, traz para o palácio de Windsor uma árvore de Natal da Baviera.
O príncipe para além de decorar o palácio, enviou também árvores enfeitadas com bolas e laços para as escolas de Inglaterra e para os quartéis do exército em Windsor. No entanto, o que deixou os cidadãos britânicos verdadeiramente loucos com as celebrações natalícias foi uma gravura publicada em 1848 que mostrava a Rainha, o Príncipe com sorte e seus filhos a decorem uma árvore de Natal.
Dada a cultura da época voltada para a família e para a monarquia, não demorou muito para que as árvores de Natal se tornassem um componente-chave das celebrações do feriado de uma família da classe média. Foi assim que uma árvore ajudou a infiltrar na consciência popular os valores que hoje em dia associamos ao Natal.
Se no ano passado fomos à casa do pai Natal na Lapónia, neste ano fomos à Baviera, mais concretamente à sua capital Munique, para visitar alguns familiares da árvore que ajudou a inventar o Natal. :P Mas existem muitas mais coisas associadas ao Natal, como hoje o conhecemos, que surgiram por aquelas bandas.
A imagem morderna do Pai Natal, com roupas de cor vermelha e com o cinto preto, foi concebida na década de 1860 por Thomas Nast. As "casas de gengibre" foram referidas pela primeira vez no conto de fadas dos irmãos Grimm, "Hansel e Gretel". Após a publicação desse livro na Alemanha, iniciou-se a tradição de fazer casas de gengibre com decorações feitas à base de açúcar.
Também o calendário do advento surge lá. No século XIX, esse calendário era uma forma dos luteranos alemães contarem os dias até ao Natal. No início do século XX, Gerhard Lang, um botânico alemão, foi considerado o pai do calendário do advento moderno, pois ao imprimir a primeira versão decidiu adicionar-lhe umas pequenas portas, correspondestes aos dias, que se abriam, revelando pequenas surpresas, quase sempre chocolates.
Também os mercados de Natal, os Weihnachtsmarkt, são uma tradição que surgiu na Baviera no final da Idade Média. O de Munique foi criado em 1310 e é por isso considerado o mais antigo de todos. Em boa verdade havia uma espécie de mercado de Natal em Viena, que remonta a 1294, mas não era totalmente dedicado ao Natal. Tudo isto levou-nos a escolher Munique para a viagem de Natal deste ano.
Ficamos instalados no Andaz Munich Schwabinger Tor - a Concept by Hyatt. Este hotel está localizado no animado bairro estudantil de Schwabing, entre o Estádio Olímpico e o Jardim Inglês, perto da estação de metro de Dietlindenstraße. Está no sitio ideal para conhecer a cidade e os seus mercados, e ao mesmo tempo proporcionar um pouco de paz longe da agitação.
Foi inaugurado em 2019, e por isso tudo é novo. Tem 277 quartos com sofisticados detalhes interiores e obras de arte inspiradoras, distribuídos por 12 andares. Ficamos numa suite Andaz com 77 m² e vista panorâmica para a cidade.
É muito espaçosa, requintada, confortável, luxuosa e inteligente (com o comando conseguimos controlar quase tudo). Possui ainda uma super banheira e uma decoração art déco. Foi dos melhores quartos em que ficamos..
Uma das razões pelas quais escolhemos o Andaz foi o seu Spa com 2000 m². Está localizado no quinto andar e possui uma grande piscina coberta, sauna, banho turco, massagens, sala de fitness e diversos tratamentos. Estar no quinto piso panorâmico de um hotel, numa piscina aquecida inserida num SPA de cortar o fôlego, na brincadeira com a família enquanto lá fora nevava é uma experiencia que jamais esquecerei.
Outra das mais valias do hotel é o seu restaurante, o The Lonely Broccoli, que nos convida a experimentar a verdadeira cultura de indulgência de Munique com produtos sazonais/locais frescos para experiências culinárias inesquecíveis.
Imputa-se como a primeira Meat House moderna da cidade e baseia-se numa filosofia open space que faz com que a cozinha seja colocada em primeiro plano e possamos ver os pratos a serem confecionados quase sempre no fogo.
Recomendamos a frescura untuosa do Ceviche, a riqueza aristocrata e decadente do Tártaro com trufa, o sabor e acidez viciantes da Cherry lady (uma espécie de salada César servida em meia alface grelhada no carvão) e o exagero gastronómico do The full load of meat (com os melhores cortes de diversas carnes acompanhada por legumes e alguns molhos caseiros). As sobremesas são óptimas e vão variando de dia para dia.
Ainda na enogastronomia vamos fazer mais duas recomendações. A primeira é a Hofbräuhaus, a cervejaria mais famosa não apenas em Munique, mas em todo o mundo. Foi construída em 1589 pelo duque da Baviera, Guilherme V e destruída durante a Segunda Guerra Mundial, na noite de 25 de abril de 1944, num bombardeamento aéreo aliado. O Hofbräuhaus am Platzl só reabriu suas portas em 1958 para comemorar o 800º aniversário de Munique.
Hoje assume-se como um espaço kitsch de várias salas com uma banda ao vivo e comensais que cantam, brindam e falam, contribuindo para a atmosfera festiva que se vive sempre por lá. Para além da melhor cerveja do mundo podem por lá também encontrar o que de melhor a comida bávara tem para oferecer. A cozinha é assente em ingredientes locais, confeccionada por chefes da região e segundo o cânone gastronómico da Baviera.
É daqueles sítios que se forem a Munique não podem mesmo deixar de visitar. (Não há reservas e as mesas são no mínimo para seis pessoas: com esta filosofia pretende-se "forçar" a conversa entre pessoas que não se conhecem). Provem o Pernil de porco assado lentamente, uma delicia.
A outra é o restaurante Tantris Maison Culinaire com duas estrelas Michelin. É um pouco mais caro, mas também foi uma das melhores experiências gastronómicas que tive. Coloca o foco nas origens da arte culinária francesa, através de pratos franceses clássicos e pratos exclusivos de cinco décadas de Tantris. Pratica uma cozinha intemporal focada nos melhores produtos.
Fiquei maravilhado com a delicadeza do Oeuf de poulet poché, crosnes et truffle blanche D’Alba; apaixonei-me pela complexidade salivante dos Langoustines de Guilvinec, beurre blanc à la vanille (passou a ser um dos pratos da minha vida!!!); surpreendi-me com a aristocracia organoléptica do Noix de Saint-Jaques, topinambour et hollandaise au Champagne; e jamais irei esquecer a intensidade suculenta do Tourte de chevreuil de Bavière, sauce poivrade aux airellees.
O serviço é quase teatral/artístico e as sobremesas e queijos surgem com pompa e circunstancia num carrinho de sonhos gastronómicos. Tudo isto acompanhado pelos melhores vinhos franceses (se bem que nas sobremesas brilhou um Madeira D'Oliveiras Malvazia 1991) num ambiente requintado mas sem ser austero. Para quem poder, recomendamos vivamente, não se vão arrepender ;)
Como turismo "não natalício" aconselhamos uma visita à Residência de Munique (Münchner Residenz) um palácio situado no centro da cidade e que foi a residência oficial dos duques e reis da Baviera.
É o maior palácio urbano na Alemanha, servindo, actualmente, como museu de decoração de interiores, considerado um dos mais belos da Europa. Também abriga uma sala de concertos, a super vigiada Casa do Tesouro Real e o Teatro Cuvilliés.
Precisam de pelo menos 5 horas para visitar tudo pois o complexo é composto por dez pátios e o museu por 130 salas. Ainda no turismo histórico, passem pelo Castelo de Nymphenburg (Schloss Nymphenburg). Juntamente com o seu parque, é actualmente um das mais famosas atracções de Munique
A Steinerner Saal (Galeria de Pedra), com frescos no tecto pintados por Johann Baptist Zimmermann e F. Zimmermann, e decorações de François de Cuvilliés, é um sítio verdadeiramente impressionante e que nos deixa, literalmente com a cabeça no ar. Serve também de grande galaria e ocupa mais de três andares do pavilhão central do palácio.
Numa perspectiva mais educativa (a Bia adorou) deem um salto ao Deutsches Museum, o maior museu de ciência e tecnologia do mundo, com cerca de 28.000 objectos expostos em mais de 50 áreas de ciência e tecnologia.
Por último, o que nos levou a Munique: os mercados de Natal. O maior e mais antigo mercado de Natal em Munique foi documentado pela primeira vez como Nikolaimarkt (Nikolausmarkt) em 1310, tornando-o um dos mercados de Natal mais antigos do mundo.
Em 1806, o Nikolaimarkt foi renomeado para Christmarkt. Hoje localiza-se Marienplatz e é simplesmente impressionante. Deem um salto à montra de Natal da Galeria Kaufhof, está mesmo ali ao lado e as crianças vão adorar.
Têm ainda o Mercado de Natal da Munich Residence, o de Sendlinger Tor (inserido num cenário incrível de muralhas), o de Neuhausen-Nymphenburg e mais uma dezena deles. Mal cheguem a Munique, logo no aeroporto, têm um à vossa espera com 44 barraquinhas. Em todos eles há Glühwein (vinho quente) a perfumar o ambiente :P
Para o ano já sabem, sigam a nossa sugestão, gozem as inocentes liberdades permitidas a uma criança, mas sendo suficientemente homens/mulheres para as apreciar. Porque nisto da procura de quem inventou o Natal, o que interessa mesmo é a busca, não a resposta...
Munique no Natal, é um óptimo sitio para se reconectarem com o/a menino/menina de há muito tempo e muito longe, que um dia, agarrado ao coração, aguardava atrás da porta, para que algo maravilhoso descesse pela chaminé... Se tiverem a sorte, como nós tivemos, de apanharem neve, o sal do Natal, tanto melhor ;)