Quinta do Noval monocastas 2017 | A dicotomia do nosso contentamento
"De que vale o calor do verão sem o frio do inverno para lhe dar doçura?” John Steinbeck
A questão com que emoldurei esta publicação, foi pertinentemente colocada por John Steinbeck no seu livro “Viagens com o Charley: Em Busca da América ”. Não tenho certeza que Steinbeck aprovaria o que eu vos vou dizer em seguida, mas para mim, este tipo de frases desenhadas nos seus livros, fazem com que os mesmos possam ser classificados como leituras de conforto.
Não porque me dêem um sensação de conforto térmico ou porque as personagens de Steinbeck sejam exemplos particularmente bem sucedidos e inspiradores, por vezes até acontece exactamente o contrário. O conforto advém do facto de Steinbeck conseguir contar histórias de pessoas que, embora possam ter inúmeras falhas, lá no fundo, estão sempre, mas sempre, a tentar fazer o que é certo. São pessoas singelas, simples e muito humanas. Fazem-nos "torcer" por elas.
Como em todas as histórias, há personagens que se safam melhor que outras, vejam o exemplo de Lenny e George em Homens e Ratos ou Tom Joad n'As vinhas da Ira, ambos os livros têm como cenário o mundo rural e a grande depressão, mas no entanto o desfecho é bastante diferente. Apesar disso, todos eles lutam contra as circunstâncias adversas em que se encontram e isso dá-me um certo aconchego literário, ao absorver a tenacidade e decência com que os protagonistas de Steinbeck perseguem os seus objectivos.
O Inverno do nosso descontentamento (cujo título foi curiosamente inspirado em Shakespeare, um dia destes conto-vos essa história), é um livro diferente, mais maduro, mais intelectual, mais intrigante e menos humano, talvez por ter sido o último romance de Steinbeck. Faz-nos pensar na possibilidade do escritor ter desistido dessa "boa onda" dos seus personagens e que o destino talvez lhe tenha revelado, que nem todas as pessoas são decentes.
Steinbeck declarou, mais tarde, ao receber o Prémio Pullitzer e já com a máquina de escrever reformada, que este último livro tinha como objectivo chamar a atenção para a degeneração moral da cultura americana nas décadas de 1950 e 1960. Como li apenas 4 livros de Steinbeck não me atrevo sequer a fazer crítica literária, mas a elegância, a ironia e a intensidade com que O inverno no nosso descontentamento foi escrito fez com que descobrisse nele alguns dos mais fascinantes, acutilantes e intrigantes diálogos que alguma vez já li.
É um livro que nos parece querer convencer, que por vezes os contextos, aparentemente, mais desfavoráveis podem levar ao surgimento de coisas extraordinariamente belas, de que o azedo frio do inverno, por vezes, dá origem a um calor de verão bem doce. Isto, também acontece nos vinhos, regularmente. Atentemos no ano de 2017.
O inverno foi frio, rigoroso e seco, seguido de uma primavera e verão excepcionalmente quentes e secos (Junho foi o mês mais quente desde 1980, com temperaturas que atingiram os 42-44°C no vale do Douro). Além do temporal ocorrido no dia 6 de Julho, pouca chuva caiu no Douro desde Novembro de 2016.
Devido a estas condições climatéricas extremas, todo o ciclo de crescimento da vinha adiantou-se 15 a 20 dias em relação aos prazos normais, levando a que as equipas de enologia em férias tivessem de as interromper e regressar urgentemente ao Douro para a vindima (no caso da Quinta do Noval esta iniciou no dia 17 de Agosto para os vinhos brancos e 21 de Agosto para os tintos e vinhos do Porto).
O frio agreste do inverno, o calor abrasivo do verão, a ausência de água durante quase todo o ano, um dilúvio perto da colheita e uma vindima inesperadamente antecipada e em sobressalto poderiam criar uma tempestade perfeita, comprometendo os vinhos do Douro em 2017. Aconteceu o contrário, o mosto doce deu origem a vinhos com elevada graduação alcoólica, irrepreensíveis na cor, estrutura e concentração, frescos e de excelente qualidade.
Hoje vou escrever-vos sobre três monocastas produzidos pela Quinta do Noval nesse particular e extraordinário ano de 2017 : o Syrah (antigamente comercializado como Labrador), o Petit Verdot (lançado pela primeira vez em 2016) e o Touriga Nacional (o mais consolidado).
O Quinta do Noval Syrah 2017 (29.90 €, 92 pts.) foi fermentado em cubas de inox durante 7 dias, onde em seguida decorreu a fermentação malolática. Por último foi envelhecido em barricas de carvalho francês durante 10 meses, 20 % em barricas novas.
De cor violeta, exibe no nariz fruta preta muito delicada, notas minerais (xisto partido) e aromas balsâmicos com cassis, alcaçuz, alcatrão, pólvora, pimenta, limonete e um certo citrino confitado. Tem um palato fresco, estruturado, longo, equilibrado, expressivo e muito preciso. Nota-se ser um vinho de um ano quente, comparativamente com o que provei de 2016.
O Quinta do Noval Petit Verdot 2017 (29.90 €, 93 pts.), de traje rubi denso, brinda-nos com um nariz extravagantemente complexo e fresco com frutos silvestres, mirtilos, amoras, notas balsâmicas e suaves aromas amadeirados. Na boca está sustentado pelos taninos aguerridos, é intenso e estruturado, a elegância é realçada e é super fresco. Talvez por isso, foi o melhor companheiro para o Lombo de maronesa braseado com couve-flor assada, cogumelos Shimeji e redução de vinho tinto do Douro. É um vinho para se ir acompanhando.
Falta apenas "falar" do rubi-violeta Quinta do Noval Touriga Nacional 2017 (29.90 €, 92 pts.) que se mostrou exuberante sem ser demasiado perfumado, com aromas florais (pétalas de rosa), violeta, cereja, bergamota, fruta do bosque madura, notas minerais (xisto partido), um toque achocolatado e com uma espinha dorsal taninica bastante firme.
Na boca todo ele é equilíbrio, elegância, pureza e frescura. Dos três é aquele em que o ano quente está mais evidente, sem que com isso tenha sido comprometida a frescura e elegância, algo que é comum aos outros dois. E para mim, é isso que os define, esta dicotomia entre o quente e a frescura, entre a austeridade e a exuberância, entre a rusticidade e a elegância, e que é motivo do nosso contentamento vínico. ;)
São vinhos com capacidade para resistir ao tempo e ao depois, e que apesar da maturação que atingem (ou não estivessem no Douro) são vinhos com uma frescura, elegância e finesse impressionantes, que os fazem ter uma insustentável leveza no momento da prova, e que provam que nem só de enormes Portos vive a Noval.
Lombo de maronesa braseado com couve-flor assada, cogumelos Shimeji e redução de vinho tinto do Douro:
-Grelhar o lombo em azeite e alho, a temperatura muito alta. Acrescentar pimenta e sal. Quando ficar alourado (2 minutos e cada lado) levar ao forno (10 minutos a 150ºC) com um pouco de manteiga e sumo de limão;
-Depois de passarem a couve-flor por água, coloquem-na num tabuleiro de ir ao forno e reguem-na com um pouco de uma mistura de brandy, molho de soja, mel e tabasco (como alternativa podem colocar molho teriyaki). Temperem com azeite, manteiga, sal, pimenta e noz moscada.
-Para a redução com cogumelos, numa pequena caçarola adicionem o vinho tinto do Douro, o sumo de uma laranja laranja e de um limão e uma colher de sobremesa de groselha. Deixem reduzir o molho (sem ferver) até que a água se evapore e o molho fique reduzido a 1/4 do volume inicial. A meio da redução acrescentem os cogumelos.