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No meu Palato

No meu Palato

Novidades da Herdade das Servas | Ecos da Liberdade numa vinha filosofal

"Eles não sabem que o sonho é vinho, é espuma, é fermento, bichinho álacre e sedento, de focinho pontiagudo, que fossa através de tudo num perpétuo movimento." António Gedeão

Herdade das ServasEstávamos em 1969,  e numa televisão a preto e branco (como não poderia deixar de ser) o programa de televisão "Zip-Zip", apresentado por Carlos Cruz, Fialho Gouveia e Raul Solnado começava ao som da Pedra Filosofal de António Gedeão, era a primeira vez que os portugueses interiorizavam que "eles não sabem que o sonho é uma constante da vida". Quem seriam eles e que sonho seria este?

Herdade das ServasA partir desse momento esta canção metamorfoseou-se numa bandeira pintada em tons de luta, esperança e sonho, fazendo com que um povo triste, resignado e pobre, começasse a ser capaz de sonhar. Uns anos mais tarde, a 25 de Abril de 1974 todos sabemos o que aconteceu. Passados quase 46 anos, a nossa liberdade já não é mais posta em causa por um regime amordaçante,  ditatorial e fascista mas por um vírus com tiques repressores e autoritários.

Herdade das ServasO 25 de Abril trouxe-nos muitas coisas boas, e devemos gratidão eterna aos capitães e povo de Abril, no entanto, a revolução dos cravos trouxe também uma década difícil ao vinho Português, sobretudo no Alentejo.  Quando o novo governo decidiu que esta região passaria a ser o "celeiro da nação", obrigando à destruição de vinhas, e à sua substituição por cereais, poderia estar, inconscientemente, a passar a certidão de óbito a esta importante região vitivinícola.

Herdade das ServasMas não foi isso que, como sabemos, aconteceu. E como nestas coisas da privação da liberdade os portugueses gostam sempre de remar contra a maré, é em 1974 que na vinha da Cardeira Velha, em Estremoz, a casta Carignan, autóctone da região Cariñena, em Espanha, é plantada.

Herdade das ServasFoi dessa vinha, com ecos de liberdade, que saiu o motivo para um encontro na bela cidade do Porto,  para o pré-lançamento de um novo vinho: o Herdade das Servas Parcela C Carignan Single Vineyard tinto 2016. Esta seria a estreia nacional de um monocasta de Carignan. Como nisto dos vinhos, as amizades são muito importantes, o Herdade das Servas Parcela C Carignan Single Vineyard tinto 2016 trouxe consigo os compinchas ;)

Herdade das ServasEsse encontro começou com um primeiro momento, um almoço no Semea by Euskalduna e com um surpreendente Herdade das Servas Sangiovese rosé 2019 (9,50€, 86 pts.). O nariz é bastante discreto, apenas com uma pitada de cereja vermelha, morango silvestre, framboesa, pimenta rosa, cravo e uma agradável mineralidade/pedrogosidade. Na boca é muito fresco, seco e bastante gastronómico. 

Herdade das ServasSeguiram-se a maçã verde, lima, damasco, flor de laranjeira, ligeira tosta e uma dicotomia interessantíssima entre voluptuosidade e acidez do Herdade das Servas Reserva branco 2018 (17€, 89 pts.). 

Herdade das ServasOs frutos silvestres, ameixa vermelha, morangos, cassis, cedro, cacau, pimenta preta, tabaco, taninos em camadas, bom volume e excelente acidez constituíram o cartão de visita do Herdade das Servas Reserva tinto 2016 (20€, 91 pts.).  

Herdade das ServasNo final do almoço era chegado o segundo momento do encontro, a participação na prova "Herdade das Servas: a estreia do Carignan e a consolidação das vinhas velhas" enquadrada no terceiro dia do Essência do Vinho - Porto 2020.

Herdade das Servas12 meses em barricas novas de carvalho francês e um estágio em garrafa durante 48 meses deram ao Herdade das Servas Parcela V tinto 2011 (50€, 94 pts.) um aroma muito sedutor com cereja preta, mirtilos, cedro, noz-moscada e uma boca carregada de mineralidade (xisto partido), secura e gigantesca (e mais uma vez surpreendente) acidez.

  Herdade das ServasDa gama Herdade das Servas Vinhas Velhas tinto provamos as colheitas de 2005, 2009, 2012 e 2015. Destaco o Herdade das Servas Vinhas Velhas tinto 2015  (27€, 92 pts.) devido à sua complexidade e contenção no nariz (ameixa preta, chocolate preto, figos desidratados, sous-bois, trufa, pimenta preta) e ao seu palato volumoso, com acidez irreverente e taninos cheios de garra. Há que guardar alguns na garrafeira ;)

Herdade das ServasA estrela do dia seria, como não poderia deixar de ser, o Herdade das Servas Parcela C Carignan Single Vineyard tinto 2016 (40€, 95 pts.) Um vinho incrível com amoras, ameixas pretas, figos, pimenta preta, tabaco, robustez, corpo elegantemente voluptuoso, taninos em abundância e bem pronunciados, frescura sedutora e uma inebriante crocância, tudo muito bem balanceado. É um vinho que vai dar que falar ;).

Herdade das ServasCom origem numa vinha que carrega ecos da liberdade de 1974, quase a fazer 46 anos, e com temperamento difícil (exige elevadas horas de insolação, solos pouco férteis, matura tarde e reclama cuidados constantes pois é muito sensível a pragas) a Herdade das Servas procura com este vinho mostrar o carácter, pedigree e a frescura das uvas de uma vinha conduzida em vaso e cuja edição é limitada a pouco mais de 3500 garrafas. 

Herdade das ServasGostei, muito, não só pela sua frescura, complexidade, fruta muito pura e personalidade mas também por ser um pouco fora da caixa. É um vinho com uma filosofia muito própria, sem medo de ser diferente, e que pode fazer o projecto vínico da Herdade das Servas, que se  iniciou em 1998, pelas mãos dos irmãos Carlos e Luís Serrano Mira, sonhar ainda mais alto.

Herdade das ServasÉ estranho escrever sobre vinho relacionando-o com a liberdade, sobretudo em tempos de confinamento em que essa liberdade apenas pode ser ... sonhada.  Mas, como defendia Gedeão na sua Pedra Filosofal, sempre que um homem sonha o mundo pula e avança, e não tardará muito para que esta pedra cinzenta onde hoje nos sentamos se transforme em tela, cor, pincel e numa bola colorida em perpétuo movimento. Até lá, viajemos através dos vinhos ;)

(Créditos: As imagens 1, 5, 8 e 15  foram tiradas por Gonçalo Villaverde©)