O melhor de 2016 | Amanhã nascerá uma flor
"Hoje, a semente que dorme na terra
E se esconde no escuro que encerra
Amanhã nascerá uma flor...
É a vida que segue
E não espera pela gente
Cada passo que dermos em frente
Caminhando sem medo de errar...
Creio que a noite
Sempre se tornará dia
E o brilho que o sol irradia
Há-de sempre nos iluminar...
Sei que o melhor de mim
Está para chegar" Mariza
Hoje é o dia de fazer o balanço do ano, elegendo os melhores de 2016.
Quero aproveitar a ocasião para agradecer a todos os que me leram, dando-me força com os vossos "gostos" no facebook , ou procurando-me para dois dedos de conversa nos eventos em que este blog esteve presente. Particularmente, e desculpem-me os outros, tenho de agradecer especialmente à "generala" Joana Pratas, tem sido com os convites dela que tenho alargado os meus horizontes no que a vinhos diz respeito e que me têm proporcionado dos melhores momentos vínicos, cada minuto que fui tendo a oportunidade de viver nesses encontros foi inesquecível. Obrigado!!!
Aos poucos e poucos este post está a tornar-se o meu favorito do ano. Pego num copo de vinho, abro o meu calendário e percorro as anotações do meu pequeno caderno. E desta forma viajo 12 meses, relembrando todas as coisas incríveis que aconteceram. E este ano, devo admitir sem qualquer falsa modéstia, esteve muito além das minhas expectativas!!! Tive a sorte de visitar lugares que fizeram parte da minha lista de "a fazer" durante anos, partilhei experiências com chefs extraordinários, convivi com pessoas que conhecia apenas dos livros, provei vinhos inesquecíveis e falei pela primeira vez com o Barca Velha. Conheci pessoas incríveis ao meu redor e fiz algumas amizades para a vida. Também por isto, 2016 foi um ano memorável em que os momentos inolvidáveis foram mais que muitos. Uma vénia a vocês, que são quem os proporciona.
Na Meda encontrei um jardim muito bem cuidado, o Hotel revelação deste ano:
Mário Quintana defende que "O segredo não é correr atrás das borboletas... É cuidar do jardim para que elas venham até ti." Não há frase que melhor caracterize este Hotel, a semente que dorme na terra e se esconde no escuro que encerra, amanhã nascerá uma flor. Nascem flores no Longroiva a cada manhã. Cada local que passa pela nossa vida, não passa sozinho, deixa uma semente que dorme na terra, porque cada sitio e pessoas que nele coabitam são únicos e nenhum substitui o outro! Quando um lugar é mágico, para além de não passar sozinho, também não nos deixa sós, uma vez que deixa algo dele e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade de qualquer relação, seja ela de que tipo for, dar e receber alguma coisa; e é também a prova de que as pessoas/locais não se encontram por acaso. Obrigado Eloi Gouveia pelo convite, continuem a tratar assim do vosso jardim, amanhã nascerá outra flor, e borboletas não vos faltarão :-P
Existem locais que dificilmente me esquecerei, o melhor Hotel 2016 é um deles, longe do mundo, perto da perfeição...
Foi um Fevereiro muito chuvoso, ainda que a esperança da luz seja escassa a chuva que molha e passa, a brisa ao anoitecer na varanda do quarto provoca a mesma sensação que o aroma de um grande vinho da região, a giesta, a esteva, a madeira e as especiarias percorrem os nossos sentidos, desejando-nos uma boa noite ao ouvido. O serviço foi do que de melhor encontrei em Portugal, é criado um ambiente familiar e fraterno, alicerçado num saber fazer e competência, sendo proporcionados inúmeros mimos ao longo da estadia.
No Restaurante Revelação deste ano encontrei uma cozinha de excelência, risco e de harmonizações, muito diferente do que podemos encontrar no resto do país, provavelmente por isso, conquistou a estrela no ano passado, e pelo que conheço do Pedro, dificilmente a perderá...
Destaco também neste restaurante o escanção Pedro Ferreira. O modo como cuidou do Clos de Crappe 2013 mostrou que em cada harmonização, cada copo vai trazer numa gota amor. Trabalho muito, mas mesmo muito bem feito.
A minha interpretação subjectiva de algo objectivamente saboroso leva-me a atribuir o Prémio Melhor Restaurante 2016 ao Restaurante Egoísta.
Tenho claramente um vinho favorito, não vos vou maçar de novo, todos já sabem qual é, e já irei escrever sobre ele mais à frente, :-P, e exactamente pelos mesmos motivos; história, tradição, vida, competência, memória de sabores, bouquet de sensações e excelência em tudo o que o caracteriza, o chefe Hermínio é o meu chef favorito, daí a atribuição deste prémio ao Restaurante Egoísta.
Quando ganhar a estrela (porque sei que a vai ganhar, não é só o chef que a espera, também eu estou, à espera da luz desse reconhecimento mais que merecido) ficarei quase tão contente como o chef, tenho-o como o meu alter ego gastronómico :-P Sei que arrisco alguma coisa ao dizer isto, mas é, na minha opinião, nada menos do que o melhor chef Português, tem qualquer coisa que os outros não têm, gosto de lhe chamar abnegação.
Continuamos no mesmo restaurante e com o mesmo chef no Melhor Prato 2016: Feijoada de samos de bacalhau.
Foi o prato que mais me marcou até hoje, uma feijoada (estava tão boa que até me esqueci de tirar uma fotografia :-()...
Este prato foi uma monumental epopeia sobre memórias, ainda hoje, recorda-lo ... abala a minha estrutura!!! Lembram-se daquela cena do filme Ratatouille, onde o crítico de culinária Anton Ego degusta um prato do chef Ratatouille que lhe provoca uma epifania, remetendo-o para sua infância, quando comia exactamente o mesmo prato, cozinhado pela mãe? Pois é… senti o mesmo com esta feijoada, uma "simples feijoada" que me sentou de novo à mesa com os meus pais e irmão umas décadas atrás (não acredito que já envelheci o suficiente para poder dizer estas coisas :-P). Voltei a viver aqueles dias de menino, em que passava o inverno na aldeia, povoada de frio, nevoeiro, cheiros, sons e sensações, quase que era capaz de vos jurar que aquela feijoada tinha o aroma da caruma que ardia na fogueira feita pelos meus avós. Naquele momento pensei, "deixo-me aqui, onde a sombra seduz".
Mantendo-me no capítulo dos meus chefs favoritos, o Melhor Chef 2016 para mim foi o feiticeiro da Casa da Calçada, André Silva.
A verdadeira felicidade vem da alegria de fazermos coisas que nos saem do coração, do sabor de criar coisas renovadas e que não percam o sabor. Acho que depois de cortar algumas ligações (más) que o ligavam a um passado recente, este chef está pronto para concretizar o seu grande sonho (não, esse sonho não é "apenas" uma estrela!!!).
Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso. Mesmo que por vezes as coisas pareçam difíceis e as condições não sejam as melhores, temos de estar sempre presos a esse sonho e à espera do nosso melhor, também eu estou, à espera de mim, algo me diz que a tormenta passará, e essa feitiçaria gastronómica terá a plateia que merece.
Para conhecermos a Chef Revelação 2016, temos mesmo de fazer uma viagem até Itália, ao L'Osteria della Corte de Sílvia Cardelli. A Sílvia é o maior exemplo que por vezes é preciso perder, para depois se ganhar, e mesmo sem ver, acreditar!
Adorei este restaurante, associa uma cozinha simples, humilde e rústica a um toque requintado e a uma apresentação moderna. O serviço mais que profissional, personalizado e actual, é amigo. Tem sem dúvida o melhor tempero que podemos encontrar na nossa vida.
Creio que existem poucos espaços como este L'Osteria della Corte, e talvez menos pessoas ainda como os seus donos. O melhor tempero que vos falei, sabem qual é? O mesmo que o Andrea e a Sílvia usaram na sua melhor criação, os quatros filhos: amor...
Valdo, Andrea e Sílvia, muito obrigado por nos terem recebido na vossa casa, e por não nos terem dado "apenas" a vossa comida, com ela trouxemos também uma parte bonita do vosso coração. Não sei se ganharão a Estrela, mas não se esqueçam, já têm quatro :-P
Como Evento Vínico revelação vou destacar o Wine Fest Porto 2016.
Os enófilos apareceram e o Salão Nobre do edifício da Alfândega do Porto encheu-se com quase um milhar de apreciadores de vinhos que puderam apreciar grandes vinhos, e um vinho gigante, o Pai Horácio Grande Reserva 2013.
Este vinho incorpora memórias de um passado nostálgico e tem claramente um visão bonita do futuro; tornando-se num símbolo do que o Douro melhor faz no presente. As saudades que eu já estava de provar um vinho destes, não se admirem que nos próximos anos o preço deste vinho duplique, é a vida que segue e não espera pela gente. Este evento superou em muito as minhas expectativas, que já de si eram elevadas.
São poucas as "desculpas" que encontro para beber vinho (:-P), uma delas é tentarmos perceber a sua alma. Analogamente ao que acontece com as pessoas, no que aos vinhos diz respeito, conhecemos verdadeiramente uma garrafa conversando com ela, bebendo e partilhando experiências.
A Wine Fest 2016 Porto foi uma óptima oportunidade para fazermos exactamente isso!!!
Três números, 1938, 1941 e 1959 fizeram do Adegga WineMarket Porto 2016 o melhor evento vínico deste ano. Não, não foi apenas mais um encontro de vinhos...
A Adegga WineMarket Porto 2016 permitiu-me conhecer as famílias por trás de cada garrafa, o engenho dos enólogos, as noites mal dormidas dos produtores, compreender os problemas de cada terroir, o que vai na alma de cada vinho. Cada interacção com cada produtor foi uma viagem ao Portugal do antigamente, às cepas do presente, e aos vintages do futuro. Percebi ainda que como país vinícola que somos, cada passo que dermos em frente caminhando sem medo de errar, daremos origem a garrafas que contam histórias, cada vinho carregará amores e ódios, podas, guerras e fantasmas, memórias e momentos.
Um outro evento vínico, o Encontro com o Vinho e Sabores Bairrada 2016 permitiu-me conhecer o Vinho revelação (e surpresa!!!) 2016, o Kompassus Baga 1991 Colecção Privada João Póvoa.
O parto deste vinho não foi fácil, produzido em condições bastante difíceis e quase deixado ao abandono durante dez anos numa antiga adega, ao frio e à chuva, este Baga apagou as lágrimas do rosto, pensou "creio que a noite sempre se tornará dia", cerrou os dentes, manteve a postura, cresceu e chega hoje até nós como uma fénix, renascida das cinzas. Com todo este bullying vínico que o vinho sofreu, parece um milagre ter mantido esta cor ruby vibrante. É como se tivesse sido mantido em cativeiro, e sorrisse ao ver a luz do dia e a respirar ar puro. Encontro um paralelismo interessante entre a história deste vinho e a história da própria Baga... O nariz está repleto de fruta preta e vermelha, uvas passas, barro, verniz e caixa de tabaco. Na boca, os taninos estão amedrontados mas dóceis (depois de tanta pancada que levaram), a acidez é aguerrida e o ligeiro toque adocicado (bastante subtil) até não lhe fica mal... É um vinho difícil, que não é fácil de compreender à primeira, espero poder voltar a falar com ele, quando tiver perdido todos os traumas da sua infância.
Viajamos agora, de novo, para Itália, mais concretamente para a Toscana, berço do Melhor Vinho Estrangeiro 2016.
Para já o óbvio, não se consegue provar este vinho com cor granada sem antes sentirmos o peso da sua história no palato. O sol está dentro deste vinho. E o brilho que o sol irradia há-de sempre nos iluminar.
É arrebatador e perfumado diz-nos "olá" com os aromas tradicionais da casta Sangiovese como as violetas, o tomilho, as rosas e os morangos. Surgem também cerejas, amoras, azeitonas, baunilha, couro, alcaçuz, cedro, sous-bois, chá earl grey e caixa de tabaco. Quando ia ao futebol com o meu pai, achava piada ao cheiro do cachimbo que um amigo dele fumava durante os jogos, aquele copo fez-me recordar esse aroma. Na boca é requintado, elegante, refinado e generoso oferecendo acidez irrepreensível e taninos sedosos e densos. É bastante encorpado, complexo, aveludado e harmonioso. O mais impressionante neste vinho é a pureza imaculada da fruta, foi o vinho que até hoje mais me apeteceu trincar, nunca senti nada assim. Termina, ou melhor, fica guardado na nossa mente de maneira complexa, harmoniosa, rica e subtil.
Tinha ouvido umas horas antes uma critica aos Brunello di Montalcino Riserva, que eram feitos em barris já velhos e que isso prejudica os vinhos, eu penso exactamente o contrário, com este tipo de barris a intervenção da madeira é "apenas" para oxigenar suavemente o vinho, não o marcando em demasia. Muito mas mesmo muito bom. Aliás, não é bom, é fabuloso!!! Não sei se já perceberam mas gostei mesmo deste vinho :-P
Guardei para o último o melhor, 7 de Maio de 2016... Tudo o que envolve esta data é mágico...
Saímos da Quinta dos Poetas por volta das 20 horas em direcção ao Hotel Vila Monte Farm House, local onde decorreria a celebração dos 25 anos do Clube 1500, e onde eu provaria os meus primeiros Barca Velha :-P
Pego no copo, confesso que a mão me tremia um pouco, pensava com melúria que esse momento iria ser irrepetivel, no entanto, quebro as algemas neste meu lamento se renasço a cada momento meu o destino na vida é maior, e esse meu destino é o de agora concretizar um dos meus sonhos, respirei fundo, e num determinado momento fecho os olhos, levo o copo ao nariz e... ... de repente, como aos momentos algumas vezes acontece, tornou-se eterno... Arrepios, muitos arrepios...
Um hino aos aromas terciários, iodo, farmácia, cedro, verniz, floresta e caixa de tabaco, tudo isto recebido repentinamente quase como uma estalada... É impossível ficarmos-lhe indiferente...
Surgem também especiarias, notas balsâmicas e trufas. É muito complexo, e de final, que ainda hoje, não consigo traduzir por palavras. Há muitos vinhos que não cabem na garrafa, aquele não cabia na sala...
O carácter profundo e personalidade misteriosa pedem-nos para que nunca nos esqueçamos dele, para que tornemos todos estes arrepios em memórias e que agradeçamos aos céus por esta oportunidade. É um privilégio beber este vinho, acho que não houve nenhum provador na sala que não se tenha sentido desta forma.
As notas de prova, escritas à mão, que normalmente levam três linhas neste 1965 tornam-se livros com vários capítulos, fiquei sem vinho antes de ter ficado sem palavras, frutas, vegetação e especiarias para o descrever.
Eu não quero que provar Barca Velha se torne apenas mais uma prova. Eu quero que ele permaneça especial, a ser aguardado com entusiasmo, e que nunca o tome como garantido. Tem que ser um velho amigo, que em ocasiões especiais o posso visitar. Oxalá a vida nos permita envelhecer juntos.
Quero lembrar-me cada vez que prenda o meu olhar, invada o meu nariz, toque os meus lábios, surpreenda o meu palato e me preencha a alma.
Os grandes poetas atingiram a imortalidade com as obras que nos deixaram, o Sr. Nicolau de Almeida atingiu-a com algo que ainda vive, envelhece e cria, dia após dia, uma nova história, que também é a sua. O seu coração ainda bate em cada garrafa de Barca Velha e é também por isso que as temos de respeitar.
O fim de semana, acabou um dia mais tarde, em grande, melhor que um Barca Velha, só uma Vida ... Nova!!!
Passados oito meses, estou-vos a falar do melhor de 2016...
Hum... O melhor de 2016??!!?? Ainda está para chegar, se tudo correr bem, amanhã nascerá uma flor... "Sei que o melhor de mim está para chegar"
Sejam felizes, um excelente 2017 (se possível tão memorável como o meu 2016) e não se esqueçam, nunca desistam do que têm de realmente vosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente vosso, os vossos sonhos.
Este foi o meu ano de sonho, qual é o vosso?