O vinho sentido a escutar milagres | 5º Festival do Vinho do Douro Superior
"Só entendemos verdadeiramente o milagre da vida quando deixamos que o inesperado aconteça. Todos os dias Deus nos dá – junto com o Sol – um momento em que é possível mudar tudo o que nos deixa infelizes. Quem presta atenção ao seu dia descobre o instante mágico. Este momento existe – um momento em que toda a força das estrelas passa por nós e nos permite fazer milagres. A felicidade às vezes é uma bênção – mas geralmente é uma conquista. O instante mágico do dia nos ajuda a mudar, nos faz ir em busca de nossos sonhos. Vamos sofrer, vamos ter momentos difíceis, vamos enfrentar muitas desilusões – mas tudo é passageiro e não deixa marcas. E, no futuro, poderemos olhar para trás com orgulho e fé." Paulo Coelho, Na margem do rio Piedra
Como já devem ter percebido, no fim de semana passado tive a oportunidade de participar no 5º Festival do Vinho do Douro Superior, inicialmente pensava que iria participar no programa geral, mas mais tarde (inesperadamente) fui convidado a participar no programa da comunicação social, nesse momento pensei logo nesta passagem do livro Na margem do rio Piedra.
Inicialmente ainda hesitei em aceitar o convite, uma vez que o blog ainda é recente e talvez fosse demasiado cedo para este tipo de coisas, no entanto sempre me ensinaram que derrotado está aquele que tem medo de correr riscos. Porque se não os corrermos talvez nunca nos decepcionemos, nem nunca tenhamos desilusões, nem soframos como aqueles que perseguem um sonho difícil de alcançar. Mas também soube, naquele momento, que um dia mais tarde, quando olhasse para trás, porque sempre olhamos para trás, me iria arrepender de não ter embarcado nesse inesperado. Aceitei, abrindo a porta ao inesperado...
Esta jornada inesquecível começou na sexta feira com uma viagem de autocarro entre o Porto e o Vale Meão, nela participavam jornalistas, críticos, bloggers consolidados, e uma generala; basicamente, eu era um outsider :-P Ia aproveitando a viagem para cheirar cada conversa, brindar cada diálogo e beber cada conselho.
Chegamos ao Vale Meão por volta do almoço, berço de sonhos, esta Quinta é mágica, nela, não só estão preservadas as memórias de uma das famílias mais importantes do Douro mas estão ali também alicerçados os mais ímpares vinhos da nossa história. Certos lugares são assim, podem ser arrasados por pragas, perseguições e dilúvios, mas permanecem sagrados. Quem por lá passa, sente para sempre falta de algo que reconstrói a cada visita.
Se há quinta do Douro Superior com um legado verdadeiramente peculiar, é esta, foi construída em terreno virgem há mais de 130 anos, por vontade de D. Antónia Adelaide Ferreira – que ficou conhecida carinhosamente como a “Ferreirinha” – foi mãe do famoso vinho Barca Velha, e em 2014 colocou o seu melhor vinho tinto DOC, o Quinta do Vale Meão 2011, entre os quatro melhores do Mundo, na avaliação feita pela conhecidíssima revista norte-americana Wine Spectator.
Tive ainda o privilégio de conhecer Francisco ‘Vito' Javier de Olazabal, Maria Luísa (Zinha) Nicolau de Almeida Olazabal (filha de Fernando Nicolau de Almeida), e Luísa Olazabal. O Francisco é um contador de histórias nato, daqueles que nos fazem lembrar os nossos avôs, conversador eloquente, empresário astuto e bem sucedido, possuidor de toque hábil com as pessoas, elegante no trato e com um intelecto cortês procura sempre mascarar as suas qualidades especiais com humildade e salpicos ocasionais de auto-depreciação, mas essas qualidades, aquelas que verdadeiramente contam, que vêm do suor, alma e coração, dificilmente se deixam ocultar. É o melhor embaixador que a sua amada quinta poderia ter.
Junto com Zinha (que ajudou a preparar um bacalhau na brasa divinal) e Luísa (que parece ter herdado do pai a elegância no trato) formaram uma equipa de anfitriões "multidisciplinar". A grande profundidade, complexidade, elegância e harmonia que encontrei na conversa com estas três pessoas, também as encontrei no Quinta do Vale Meão Tinto 2012, todos os vinhos contam uma história, este é um excelente narrador das memórias desta família.
Mais tarde, depois de termos estado nos Colóquios "Douro Superior: Fronteiras da Liberdade" e "Caminhos com futuro", passamos na loja Vinhos & Evento a caminho da Quinta Muxagat.
Uma garrafeira com o que de melhor o Douro Superior pode oferecer, as imagens falam por si :-P
Finda a visita era tempo de visitar a Muxagat Vinhos.
Apercebi-me que este projecto sofreu uma grande remodelação, Susana Lopes assumiu a gerência, acompanhada por seu pai. A produção de vinhos de qualidade excelente continua a ser a marca desta casa, com a enologia entregue a Luís Seabra, que durante muitos anos esteve ao serviço da Nieport.
A nova filosofia que se pretende incutir na empresa baseia-se sobretudo em interferir o menos possível na vinificação permitindo que as características do solo de cada vinha (terroir) possam desenvolver-se e mostrar-se no vinho, com um acompanhamento constante e próximo dos trabalhos na vinha e adega. Como a Muxagat Vinhos não tem vinha própria, a criação de valor assenta sobretudo nesse processo de vinificação com toque de midas.
Em cada vinho que provei na Muxagat, senti o copo expressar o seu terroir, apresentar-me as uvas e queixar-se das características e das condições meteorológicas que lhe deu origem. Não é isto que procuramos num vinho?
Despedi-me da Muxagat com a estrutura, complexidade e aroma do Cisne 2011 e saboreando o melhor Tinta Francisca que provei até hoje, frutos vermelhos em compota, fruta doce, especiarias e folha seca, numa base mineral e fumada.
O corpo ficou com sono, as mãos ficaram geladas, as pernas entorpecidas pela posição, e eu precisava descansar a todo instante, para que pudesse guardar em cada gaveta da minha memória as lembranças deste dia extraordinário.
O Sábado, depois de uma breve vista ao muito bem conseguido museu do Côa, amanheceu com a curiosidade de conhecer a Quinta da Cabreira, do projecto Quinta do Crasto.
O desafiante caminho de terra teve de ser percorrido por um todo-terreno que nos permitiu chegar a um local idílico, no qual seriam servidos o almoço e os maravilhosos néctares que esta quinta produz.
O enólogo Manuel Lobo de Vasconcellos introduziu um sistema de rega gota a gota, que complementado por uma estação meteorológica própria, permite fazer frente ao clima mais seco e agreste que é característico do Douro Superior, fazendo com que a uva sofra, mas continue viva, esse sofrimento controlado nota-se bem em todos os vinhos Quinta do Crasto Douro Superior. Como defende José Mauro de Vasconcelos, matar não quer dizer matar mesmo!!! Não é nada disso. Por vezes matamos no coração. Vamos deixando de querer bem. E um dia a pessoa morreu. Estas uvas estão bem vivas no coração do Manuel Lobo de Vasconcellos, porque nunca as deixou de as querer bem, sobretudo as Syrah :-P O Syrah Crasto Superior tinto 2013 é mais um magnífico exemplar de qualidade que o Douro Superior é capaz de produzir. Na minha opinião, mais tarde ou mais cedo, estes vinhos terão presença assídua nos prémios dos grandes certames da especialidade.
Depois desta visita marcante, tivemos a oportunidade de participar no programa geral do 5º Festival do Vinho do Douro Superior, aquele que inicialmente despertou toda esta história :-P
O festival foi de entrada livre e nele poderam ser visitados os stands de cerca de mais de 70 produtores de vinho que marcaram presença no ExpoCôa - Pavilhão de Exposições e Feiras, dando a provar os seus melhores vinhos aos visitantes. Os stands de sabores e as tasquinhas completaram esta oferta, tanto no vinho como na comida. A maior parte dos produtos em exposição estiveram à venda no local. O que de mais bonito aqui encontrei foi a democratização do acesso aos grandes vinhos do Douro, todos, pobres ou ricos, produtores ou consumidores, novos e velhos, conhecedores ou curiosos, tiveram acesso ao que de melhor o Douro produz!!!
O tempo passou rápido, e como a barriga já apertava formos em direcção à Quinta da Terrincha.
Situada em pleno Vale da Vilariça, a Quinta da Terrincha foi, e ainda é uma importante unidade agrícola do norte do país.
É famosa não só pela produção de vinho e de azeite, mas também pelas suas instalações turísticas, em casas de turismo rural lindíssimas. Os vinhos desta Quinta têm corpo e estrutura sem se tornarem pesados, auxiliados por uma boa acidez.
A proprietária Mónica Pinto promoveu desta forma um final elegante e sedutor para a noite de Sábado.
No Domingo a despedida do Festival, do Douro e do Vale Meão.
Saí do Douro Superior, com um até já, é impossível dizer-lhe adeus... Saí também com a certeza que ele está bem entregue, os ideais, sonhos e esperanças permanecerem dentro daqueles que o cuidam, produtores, autarcas, trabalhadores, enófilos, jornalistas e críticos. Trouxe comigo um pouco de cada um deles.
Lembro-me agora do instante mágico que nos falou Paulo Coelho, daquele momento em que um “sim” ou um “não” pode mudar toda a nossa existência. O meu "sim"levou-me a toda esta viagem que acabei de partilhar com vocês, tinha muito mais a dizer mas o post já vai longo, futuramente falarei dos vinhos de cada uma das quintas em que estive.
Deste fim de semana não esquecerei as vinhas, as estradas, as aves, as montanhas, a vegetação, as conversas, as pessoas e o Douro dos meus sonhos – sonhos que eram meus e que eu não conhecia.
Obrigado generala Joana Pratas pelo convite. Ainda não percebi muito bem o porquê dele, mas bebi o mais que pude (e desta vez não estou a falar de vinhos :-P), saboreando e dizendo que sim a cada momento...
#fvds