Parceiros na Criação | Do Douro com amor e um banho no jardim
"Fred Potter voltou-se para o filho e sorriu. Estás a ver?, disse. As nossas vidas são como as coisas que fazemos. Damos-lhe forma, construímo-las e levamo-las ao forno. É assim, meu filho, somos moldados e levados ao lume. Mas um jarro não tem possibilidade de escolher se quer conter água, vinho ou ficar simplesmente vazio. Tu tens, filho. Tu tens.“ Joanne Harris
A história de hoje começa há uns anitos, em Março de 2016 (curiosamente quando o blogue fazia 1 ano). Na altura o No Meu Palato estava muito mais dedicado à gastronomia do que aos vinhos (a parte dos hotéis surge ainda mais tarde). Apesar de já ter bastante interesse no mundo dos vinhos e ser um enófilo dedicado, é apenas pela altura do Festival do Vinho do Douro Superior 2016 que começo a querer participar, enquanto blogue, em provas e encontros vínicos.
Entrei em contacto com a organização (sem saber muito bem como estas coisas se processavam) a fim de demonstrar o meu interesse em "cobrir" o evento. Informaram-me que a relação com a imprensa era tratada pela Joana Pratas e que iriam falar com ela. Uns dias depois recebi um telefonema da Joana a confirmar a minha participação e a convidar-me para uma presstrip paralela ao Festival do Vinho do Douro Superior 2016.
Com visitas à Quinta do Vale Meão, Quinta de Muxagat, Quinta da Cabreira, Quinta do Crasto, Quinta da Terrincha e Quinta das Bandeiras, como é óbvio aceitei o convite ;) Quer a presstrip quer o Festival correram muito bem (apesar de na altura não conhecer ninguém e os outros participantes ... se conhecerem todos) e timidamente fui ganhando gosto por este género de iniciativas e conhecendo um pouco mais a Joana.
Com a alcunha da "generala", obsessão com os horários e máximo rigor na organização, eu falava sempre "com um pé atrás" com ela, pois aquele, ainda, não era o meu mundo e andava nas apalpadelas para tentar perceber como é que aquelas coisas funcionavam. O tempo foi passando, fui participando em muitos mais eventos e fui encontrando, frequentemente, algumas das pessoas que conheci nessa altura, sendo agora já amigo de algumas delas. Conheci mais tarde, uma outra Joana, "menos mandona" (pelo menos aparentemente ;)): a produtora de vinhos, mãe e esposa. Com o seu marido João, a Joana fez nascer a PNC.
PNC é a sigla da Parceiros Na Criação, mas, curiosamente, também dos apelidos dos seus criadores: Pratas & Nápoles de Carvalho, respectivamente. Joana e João são um jovem casal que decidiu apostar na produção e comercialização de vinhos e azeite no Douro. Mais do que uma empresa, quiseram criar um protejo familiar, do qual fazem parte activa os seus filhos: a Maria Teresa e o António Maria.
Começaram com a marca h’OUR e desde 2018 iniciaram um novo ciclo na PNC, com a aposta em novas marcas, a Casa da Esteira e a Esteira. No final desse ano, o João herdou parte da Quinta de Monte Travesso de Cima (Barcos, Tabuaço) e a família avançou com a compra da restante parte. Um total de 14 hectares, em que 12,5 são de vinha e os restantes de mata, adega e a Casa da Esteira, remodelada em 2019.
É sobre os vinhos desta família que vos vou falar hoje, começando pelo Esteira Branco 2017 (9 €, 84 pts.). De cor citrina pálida e com laivos esverdeados exibe no nariz maçã, papaia, acácia-lima, folha de limoeiro e uma particular mineralidade (xisto molhado). Na boca exibe uma acidez muito assertiva, equilíbrio e elegância.
Continuando nos brancos e na companhia de um à Brás de tomate com lombo de robalo grelhado surgiu o Casa da Esteira Reserva Branco 2017 (17 €, 90 pts.). Este é um vinho, quase amarelo-palha, que precisa de tempo para mostrar o melhor de si.
Exibe aromas a pêra, melão, marmelo, a mesma mineralidade "molhada" e outros notas menos intensas a baunilha e noz-moscada. No palato tem bom volume, excelente textura, intensidade, durabilidade e uma enorme frescura.
Passando para os tintos, começando logo pelo vinho que mais me surpreendeu e de um ano tão especial quanto feliz, 2012, o ano que casei ;) O h'OUR tinto 2012 (15 €, 88 pts.), vermelho escuro já com alguma evolução, no "primeiro ataque" no nariz quase parece um Bairrada já com alguns anos, devido ao aroma a azeitona.
Surgem depois os mirtilos, a ameixa preta madura, os frutos silvestres, o sous-bois, algum cacau e um químico-medicinal intrigante. É muito carnudo, fresco, harmonioso e complexo. Não sei se tive "apenas" sorte com a garrafa, mas este vinho estava impecável ;) Este vinho já esgotou, mas ainda podem encomendar a edição de 2010 que, pelo que me disseram, está prontíssima a beber.
Do ano seguinte e para acompanhar uns Farcis de legumes, especialidade da minha sogra, escolhi o Esteira Tinto 2013 (9 €, 86 pts.). Rubi vivo no traje, este vinho transporta notas muito puras a ameixa preta, amoras, frutos silvestres, mirtilos, cacau, pimenta, cedro e baunilha. Na boca é muito fino, complexo, longo e com uma acidez inquieta.
Paragem seguinte, um vinho que ainda aguenta uns bons anos em garrafa: o Casa da Esteira Touriga Nacional 2015 (17 €, 91 pts.). De cor rubi-violácea tem um nariz muito equilibrado com violetas, ameixa preta, frutos do bosque, cereja preta e chocolate After Eight.
No palato passeia-se com personalidade, garra, taninos redondos, bom volume e uma acidez tão irreverente quanto bem integrada. Este é um excelente exemplo de uma Touriga Nacional com ADN duriense, elegante e inteligente, sem aqueles exageros florais que às vezes surgem nesta casta.
Para último, um grande vinho e também o que mais gostei. O Casa da Esteira reserva tinto 2014 (17 €, 92 pts.), portador de um rubi denso, é um vinho muito amplo e com aromas muito genuínos, potenciados pelos 15 meses de estágio em barricas de carvalho francês. Os frutos do bosque, a ameixa preta, os mirtilos, a cereja (quase em Mon Chéri), a noz-moscada, a pimenta preta, a canela (menos evidente), o sous-bois, o cravo, o cedro e a pedrogosidade (xisto partido) dão-lhe uma grandiosidade que justifica um outro preço na venda.
Na boca mostra uns taninos bipolares (aguerridos mas elegantes), uma estrutura crocante, intensidade, harmonia, complexidade e uma acidez vibrante, que aprendi nesta prova, ser o denominador comum aos vinhos dos Parceiros na Criação. Acompanhou na perfeição um Lombo de vitela, cebola roxa confitada e puré de pastinaga. Este reserva 2014 é tão bom, que diria que é digno de um Rei ;)
Há uns tempos a Joana disse-me que uma das coisas que aprecia no blogue é o facto de apesar de termos filhos relativamente pequenos, não deixamos de ir a eventos vínicos (algumas das vezes os 4), visitar restaurantes (com a taxa de barulho acrescida incluída) e percorrer o país, em família, à procura de novos vinhos, sítios e sabores.
O segredo para estas "coisas", o envolvimento familiar naquilo que gostamos de fazer, é o mesmo que permite que se façam vinhos com identidade, personalidade e muito terroir afetivo como os vossos: o amor que colocamos naquilo que fazemos.
Esta foi a história de uma família que faz vinhos, contada por outra que, apesar de não os fazer, anda sempre com eles no palato. Que destes "fornos familiares", qualquer que seja o molde escolhido, continue a sair felicidade ;)
Obrigado Joana, pelos vinhos e pelo "empurrão" no blogue, e desculpa a demora na publicação (provei o primeiro vinho, o Esteira Branco 2017, já em Maio, após a primeira tarde quente de Primavera muito bem passada, em família confinada, por entre os pingos da chuva da mangueira ;)).
Farcis de legumes:
-Partam os pimentos, a cebola e a courgette de modo a formarem pequenos recipientes (vejam a imagem de cima);
-Para o recheio triturem o interior dos courgettes previamente cozidos, algumas tosta de trigo, leite, mortadela, fiambre, queijo, parmesão e azeite. Vão "brincando" com os líquidos e com os sólidos até obterem uma textura consistente;
-Coloquem a mistura anterior por cima dos "recipientes de legumes" e polvilhem com pão ralado;
- Levem ao forno 10 minutos a 210ºC.
À Brás de tomate com lombo de robalo grelhado:
-Numa frigideira larga em lume brando, salteiem a cebola às rodelas, o alho-francês e os dentes de alho esmagados no azeite;
-Acrescentem o tomate triturado maduro, as batatas-palha e misturem bem até as amolecerem um pouco;
-Numa tigela, batam ligeiramente os ovos e juntem noz-moscada e um pouco de brandy,
- Juntem o preparado anterior à mistura de tomate e misturem bem até estar bem ligado e os ovos estarem cozinhados.
-Juntem cenoura ralada grosseiramente, misturem tudo, provem e afinem os temperos. Sirvam salpicando com a salsa e as azeitonas.
Lombo de vitela, cebola roxa confitada e puré de pastinaga:
- Levem as pastinacas, o alho, as natas, o leite e a manteiga ao lume e deixem levantar fervura. Baixem o lume, tapem e deixem cozinhar até as pastinacas ficarem macias (10-12 minutos). Destapem e cozinhem até o líquido reduzir para metade (5 minutos) e temperem com sal. Passem num Passe-Vite até obterem um puré homogéneo;
-Para o jus de carne, usem alguns ossos ainda com pedaços de carne (peçam no talho, se for de novilho ou borrego, melhor); cebola, cenoura e aipo partidos grosseiramente; e deixem cozinhar por 2 horas em lume brando. No final da cozedura coem o preparado para ficarem apenas com o liquido. Juntem manteiga, sal, pimenta, vinho do Porto e um pouco de limão. Deixem reduzir para metade em lume brando;
-Partam a cebola roxa a meio (como na imagem) e grelhem num fio de azeite em lume brando (10 minutos de ambos os lados). Cortem um pouco as bases de modo a poderem fixar a cebola ao prato (se tiver a base vai cair). Com a base superior (a que vai ficar voltada para cima no empratamento) virada para baixo tostem um pouco em lume alto durante 1 minuto;
- Grelhem os lombos de vitela (lume alto durante 2 minutos de cada lado) em azeite, temperando com sal e mistura de pimentas.