Poças Símbolo 2014 | Distinguindo-se ... não se fazendo notar
"Muito mais poderosos do que a religião, muito mais poderosos que o dinheiro, até mesmo muito mais poderosos que a Terra ou a violência, são os símbolos. Os símbolos são histórias. Os símbolos são imagens, desenhos ou ideias que representam algo mais. Os seres humanos atribuem esse elevado significado e importância aos símbolos uma vez que eles podem inspirar esperança ou auxiliar os deuses. Estes símbolos estão por toda parte ao seu redor." Lia Habel
O vinho é muitas vezes tido como um dos mais belos símbolos da transformação. Quase como se a natureza criasse um espelho que nos permitisse ver metaforicamente o nosso processo de crescimento, renovação e transformação. Desta forma podemos pensar no vinho como um símbolo das nossas vidas, desenhado a marca de água pela natureza. Criar um vinho passa necessariamente pela transformação, resultante de separar o todo em partes e voltar a integrar as peças num conjunto: as uvas em vinho.
Essa transformação da fruta fresca em algo extraordinário, que lhe permite ter um carácter distintivo e de qualidade, vem directamente de um lugar, do terroir em que a vinha é cultivada e tratada. O vinho também é símbolo de trabalho. Foram homens e mulheres cansados que executaram a dança da colheita em barris e prensas. Foram eles que começaram a transformação das uvas, feitas de partículas de luz solar e água mantida em cachos de frutas, para dar origem à mais saudável e mística de todas as bebidas.
Quando as características naturais de um terroir interagem para criar um conjunto único de condições e que, por sua vez, conferem características específicas aos vinhos produzidos nesse lugar, o vinho pode ainda ser símbolo de diferença. E é por tudo isto que o nome escolhido para o novo topo de gama da Poças Júnior lhe assenta como uma luva: Símbolo :-P Pedro Poças Pintão, director comercial da Poças Júnior destacou isso mesmo na apresentação oficial do Símbolo 2014 que decorreu no restaurante Antiqvvm, do estrelado chefe Vítor Matos. A produção de apenas 5000 garrafas procura evidenciar exactamente esse carácter diferenciador.
Este vinho pretende ser diferente na elegância e no charmant, distinguindo-se dos tradicionais vinhos explosivos e encorpados (neste patamar de qualidade) do Douro. Três anos após a colheita das uvas que deram origem a este Símbolo, o enólogo da Poças, Jorge Pintão, acredita que o Símbolo merece estar entre os melhores vinhos do Douro. As avaliações, feitas ainda antes de ser lançado, parecem dar-lhe razão: 94 Pontos Wine Enthusiast, 92 pontos Wine Spectator (estou curioso se o Símbolo irá figurar no TOP 100 da sua lista) e 90 Pontos Wine Advocate.
No que a mim diz respeito, concordo quer com o Jorge, quer com o Pedro. É um vinho elegante, com taninos domesticadamente irreverentes e com muita vivacidade. Produzido a partir de vinhas velhas (com mais de 60 anos) muito bem tratadas por Maria Manuel Maia, concilia de modo muito particular a madeira nobre e especiarias com as cerejas, amoras e morangos muito maduros. Depois de uma agradável conversa sobre o Símbolo era chegada a hora do almoço e de conhecermos outro vinho da Poças, o Colheita 2003.
O caramelo, a avelã, o ligeiro picante e uma agradável secura resultante do envelhecimento em madeira dão-lhe muita identidade, carácter e expressão. É um vinho muito rico que ganha complexidade com os ligeiros apontamentos balsámicos e excelente acidez.
Acompanhou na perfeição o parfait de foie gras des Landes com Porto, cavala fumada, beterraba, balsâmico velho di Modena e pinhões tostados. O Poças Colheita 2003 fazia sobressair o fumo do peixe e a ligeira doçura da beterraba, enquanto que a complexidade do prato realçava a acidez e riqueza de aromas do vinho. Um jogo de esconde-descobre-esconde enogastronómico muito engraçado que, para já, leva o carimbo de melhor harmonização deste ano, aqui no blogue.
A acompanhar a costeleta de borrego, ervas frescas, cantarelos e jus de mostarda surgiu o Poças Reserva Tinto 2015. Surpreendente e muito concentrado, com fruta preta em compota, groselha, esteva e apontamentos de madeira de boa qualidade. A sua textura suave e equilibrada é realçada pelas especiarias, taninos deliciosos e boa acidez.
O vinho contribuiu para cortar a força da mostarda aliando-se à frescura das ervas e à suculência do borrego. Os grãos de mostrada vão muito bem com o borrego e cogumelos, juntos promovem uma multiplicidade e densidade de sabores incríveis.
Se o Símbolo 2014 é todo elegância, o Reserva 2014 é um hino à concentração de aromas maduros. A intensidade da mostarda pedia o Reserva, a graciosidade do borrego implorava pelo Símbolo. Eu fiquei apaixonado pelos dois :P
Para acompanhar as borboletas, Porto, cheesecake, labios de musse de chocolate, gelado de amendoa e pistachios da sobremesa começamos com um Poças LBV 2012. Na Poças a maior parte dos LBV poderiam ser declarados como vintages, tal é a exigência mantida.
Está muito concentrado na cor e nos aromas a frutas maduras e especiarias. Com bom corpo, mas elegante, acaba com um final de boca muito longo. Apesar de no nariz o LBV ser muito mais exuberante preferi para a harmonização com a sobremesa o Poças Vintage 2015.
Muito por culpa de ser um vinho que exige tempo para que inicie a conversa connosco. Quando se sabe esperar surge uma agradável brisa aromática com predominância de aromas florais e com abundante fruta madura e alguma resina. Bem equilibrado com taninos austeros e uma acentuada acidez que lhe proporciona uma memorável frescura. É sedoso e elegante, ou não fosse um Poças :-P
Ainda assim, a estrela do dia foi outra, o Poças Símbolo 2014...
Os símbolos são histórias. Os símbolos são imagens, desenhos ou ideias que representam algo mais, acredito que neste caso o Símbolo representa indelevelmente a paixão de uma família pelo vinho, combinando o respeito pela tradição com a mente aberta à inovação trazida pelos seus membros mais novos. Não só por isso, mas também por isso, ganharam um "embaixador" :P
Paul Valéry, um filósofo, escritor e poeta francês, curiosamente da escola simbolista (ela há cada coincidência :-P) postulou que a elegância é a arte de não se fazer notar, aliada ao cuidado subtil e trabalhoso de se fazer distinguir. E é isso mesmo que o Poças Símbolo 2014 é: um vinho elegante.
Obrigado pelo convite Celeste, este almoço foi também símbolo de algo mais poderoso do que a religião, muito mais poderoso que o dinheiro, até mesmo muito mais poderoso que a Terra ou a violência, a amizade. Que o nosso caminho se possa cruzar mais vezes ;-)