Prova Quinta do Noval | A irmandade do tonel
"Para fazer uma obra de arte não basta ter talento, não basta ter força, é preciso também viver um grande amor.“ Wolfgang Amadeus Mozart
No século XVIII, Mozart fez uma digressão pela Europa, encantando o público um pouco por todo o continente, impressionando os mais exigentes críticos. Havia mesmo quem dissesse que aquela música era a melhor que tinham ouvido e que Mozart tinha um futuro muito promissor pela frente. Quando se "fala" em Mozart, a grande maioria das pessoas pensa imediatamente em Wolfgang Amadeus Mozart.
A história concedeu-lhe o título de gênio por excelência. Logo desde pequeno, Wolfgang já havia escrito composições notáveis mas é a sua maturidade musical adquirida numa digressão pela Europa, ainda enquanto criança, que o leva inevitavelmente, a atingir momentos musicais sublimes. Tudo isto é verdade, mas...
A referência a Mozart com que comecei esta publicação não era destinada a Wolfgang, mas sim à sua irmã Maria Anna Mozart, também conhecida por Nannerl. Nannerl participou com o seu irmão, o pai Leopold e a mãe Anna Maria na famosa viagem (iniciada em 1763) da família Mozart pela Europa, uma longa excursão musical pelas capitais e principais cidades do velho continente com vista (aparentemente) a amealhar algum dinheiro com os concertos destinados à realeza, às famílias nobres e, por vezes, às classes mais baixas da sociedade.
O itinerário levou os Mozart a passar por Munique, Frankfurt e Bruxelas. De lá, viajaram para Paris e, após uma longa estadia de cinco meses na capital francesa, partiram para Londres, onde permaneceram por uns impressionantes 15 meses. Em Londres, a família Mozart conheceu alguns dos principais músicos da época, ouviu muita (e boa) música e Wolfgang compôs as suas primeiras sinfonias, com a ajuda da irmã. Depois, os Mozart passaram pelos Países Baixos. A viagem de regresso incluiu uma nova paragem em Paris e um passeio pela Suíça, antes que a família voltasse a Salzburgo, em Novembro de 1766. Em todos os lugares onde actuaram, os dois irmãos geravam comentários de entusiasmo e espanto.
A pequena Nannerl costumava receber mais elogios e dinheiro do que o seu irmão e por vezes Wolfgang pedia-lhe que ela lhe ensinasse os seus truques musicais. Há historiadores que defendem que este era o real objetivo do pai Leopold, que Wolfgang absorvesse a genialidade de Nannerl enquanto tocavam juntos. Entre os testemunhos que sustentam esta "desconfiança" existem algumas noticias sobre os concertos dados pelos dois irmãos em 1763 em Londres.
Em particular, descrições do belíssimo domínio que Nannerl exibia no cravo e no piano, que deixou Wolfgang de "ouvido caído". A menina foi fortemente elogiada tanto pelo público quanto pela crítica, que se apaixonaram pela sua leveza e mestria. Com o avançar da idade, o pai Leopold começa a encaminhar Nannerl para o "percurso natural" das meninas que queriam ser bem sucedidas: o casamento.
Wolfgang tornou-se Mozart e Maria Anna tornou-se esposa de alguém. Wolfgang morre de uma doença misteriosa anos mais tarde, em 1791, e isso pareceu despertar Nannerl para o relacionamento/música que eles haviam cultivaram no passado. Foi por isso que Nannerl se dedicou à escrita da biografia do seu irmão, dando-nos muitos detalhes divertidos sobre o génio que ela conhecera, fomentara e amara. Apesar de detestar a cunhada e com razão (mas essa história fica para uma próxima publicação), Nannerl deixou isso de lado para trabalhar com Constanze na biografia de Wolfgang.
É graças a estas duas "queridas inimigas" que hoje sabemos um pouco mais sobre o génio Wolfgang Mozart. Mais tarde, ela escreveu que, ao ler sobre o seu irmão, os seus sentimentos de irmã foram completamente reavivados, uma vez que para Nannerl, o afecto para com o menino que tanto se esforçava para imitar a sua irmã nunca tinha realmente desaparecido, e agora ela iria fazer de tudo para preservar a sua memória e promover o seu legado.
Temos muito a agradecer a Nannerl, pois foi o período após a morte de Wolfgang que a sua reputação cresceu, com a ajuda do que a "menina" escreveu. Nanner chegou mesmo a entregar toda a sua correspondência privada para atrair ainda mais atenção para o seu irmão. Em 1829, a autora inglesa Mary Novello (motivada pelos relatos da genialidade da "menina" Mozart) visitou a já envelhecida Nannerl, ficando chocada com o que descobriu: Nannerl estava cega, cansada, pobre e sisuda. Nesse mesmo ano, Nannerl morreu aos 78 anos.
No entanto, Novello estava errada. Como tantas vezes acontece, as aparências enganaram: Nannerl não era pobre, deixou uma grande fortuna para trás, mas optou por viver com frugalidade. A falta de empatia que Novello relatou era explicada pela necessidade que Nannerl tinha em se ausentar do mundo real, para procurar na sua mente episódios aparentemente esquecidos que ajudassem a engrandecer ainda mais o seu irmão. Esta "menina velha" viveu até ao seu último dia como bengala do grande génio.
Esta história sobre os Mozart tem imensos detalhes com implicações que vão muito para além da música. A primeira é a de que quando consideramos algo melhor que outro, temos de prestar atenção aos detalhes, sob a pena de sermos injustos. Outra é a de que por vezes as aparências não só iludem como podem tornar as surpresas ainda mais "saborosas". A última e a mais importante, é que quando se nasce no mesmo lugar, em diferentes anos e apesar das diferenças que possam existir, há sempre algo maior que acaba por unir os "irmãos", isso também é verdade nos vinhos. Se não acreditam nisso, estejam atentos aos próximos parágrafos. ;)
Com o objetivo de comparar o genial ano de 2017 com o "desconhecido" 2018 a Quinta do Noval promoveu, no passado dia 31 de Março, uma apresentação online. Durante a prova foi possível ainda descobrir a nova colheita do Cedro do Noval branco (2020) e o maravilhoso Quinta do Noval Porto Colheita 2007. Tudo música para os meus ouvidos. ;)
O Cedro do Noval Branco 2020 (14.50 €, 91 pts.) é provavelmente a melhor edição deste vinho. De cor dourada clara e cristalina exibe aromas complexos a pêssego, anis, toranja, limonete, flores brancas e baunilha. No palato tem bom volume, excelente acidez, equilíbrio e uma ligeira untuosidade que lhe fica muito bem. Acompanhou na perfeição um Bacalhau fresco com berbigão.
Nos tintos, o Cedro do Noval Tinto 2017 (14.50 €, 90 pts.) exibe uma cor rubi escura, tem um nariz muito interessante com pimenta preta, chocolate e ameixa preta. No palato proporciona um final muito expressivo, aromático, ligeiramente fumado, fresco e muito rico. Exprime bem a excelência de 2017. Por sua vez o benjamim Cedro do Noval Tinto 2018 (14.50 €, 89 pts.) de cor rubi densa, menos exuberante que o 2017, carrega notas a morangos, chocolate preto, ameixa preta e uma brisa fumada. Na boca é fresco (mais elegante que o 2017), longo e muito equilibrado.
Seguiu-se um dos Tourigas que mais me seduz, o rubi-violeta Quinta do Noval Touriga Nacional 2017 (30.50 €, 92 pts.). Mostra-se exuberante sem ser demasiado perfumado, com aromas florais (pétalas de rosa), violetas, framboesas, bergamota, fruta do bosque madura, notas minerais (xisto partido), um toque achocolatado, pimenta preta e com uma espinha dorsal taninica bastante firme. A nova edição, o Quinta do Noval Touriga Nacional 2018 (30.50 €, 91 pts.) de traje violeta, tem a madeira um pouco mais presente, mas o foco continua a estar nas notas florais a violetas, na cereja e na pimenta preta.
Surgem também um pedrogosidade e um achocolatado que tornam o vinho um pouco mais intrigante. Na boca, o equilíbrio, a frescura e a profundidade continuam a ser as notas dominantes. Para acompanhar o Lombo de porco, gelado de beterraba, legumes baby, compota de tomate e funcho preferi o Quinta do Noval Touriga Nacional 2018 devido à acidez mais vincada. Nesta prova, pude voltar a "conversar" com o fantástico Quinta do Noval Reserva 2017 (51€, 94 pts.).
No copo é rubi muito denso, no nariz é intenso com groselha, framboesas, ameixa preta e pimenta preta. Exibe ainda uma mineralidade (xisto partido) muito agradável, uma tosta bem integrada e chocolate preto. Na boca passeia-se com taninos deliciosamente saborosos, potência e estrutura. Um vinho enorme que tem tudo para continuar a crescer em garrafa. O ano de 2018 fez com que Quinta do Noval Reserva 2018 (51€, 94 pts.) adquirisse um pouco mais de finesse.
A fruta é mais fresca (mirtilos), e a framboesa não está tão presente. A alma "Noval Reserva" continua lá com a pedrogosidade, com a madeira e com o chocolate preto. Na boca é um vinho cheio, complexo e super equilibrado. Estava à espera de gostar muito mais do 2017 mas isso não aconteceu, apesar de uma maior evolução do 2017. Para acompanhar um Crème brûlée nada melhor que o Quinta do Noval Colheita 2007 (52€, 94 pts.), um vinho que procura democratizar a excelência dos vinhos do Porto.
Traja um âmbar super sedutor e exibe um nariz arrebatador, com um equilíbrio muito bonito entre a fruta mais fresca (limão e toranja), o ligeiro vinagrete e frutos secos (ameixa, amêndoa torrada e noz). Na boca surgem as especiarias (canela), uma boa estrutura, uns taninos de veludo e uma excelente frescura. Quem diria que numa "guerra" entre 2017 e 2018 ganharia ... 2007. ;) Nem tudo que é genial, tem forçosamente de ter um preço incomportável, este vinho é um bom exemplo disso. Querem saber qual o problema deste vinho? Foram produzidas apenas 3000 garrafas.
Apesar do ano de 2017 ter tido condições climatéricas que permitiram a produção de vinhos memoráveis (um inverno frio e seco, seguido de uma Primavera e Verão excecionalmente quentes e secos, Junho foi mesmo o mês mais quente desde 1980, com temperaturas que atingiram os 42-44°C no vale do Douro durante a onda de calor sentida entre os dias 7 e 24 de Junho!!!) os colheitas de 2018 mostram características que valem a pena ser conhecidas, como a sua finesse, elevada frescura e um excelente trabalho com a barrica. 2017 deu mais trabalho a S. Pedro, 2018 deu (muito) mais trabalho à equipa de enologia. ;)
É ainda muito enriquecedor poder provar vinhos dos dois anos lado a lado, pois há uma certa irmandade da vinha e do tonel que lhes dão a mesma coluna vertebral: o equilíbrio, a identidade, a elegância e a complexidade. Para além disso, não sejamos como o pai Leopold Mozart que à partida já sabia quem seria o eleito. Vamos dar tempo ao vinho e voltar a conversar daqui a uns anos, sem pressas. ;) É também por isso que para fazer vinhos desta qualidade, ano após ano, não basta ter talento e não basta ter força, é preciso mais qualquer coisinha...
Lombo de porco, gelado de beterraba, legumes baby, compota de tomate e funcho:
-Cozam as beterrabas já descascadas em águal e sal (reservem uma para levarem ao forno). Triturem-nas e juntem um pouco de ginja, açúcar mascavado, natas magras, sal e sumo de um limão e cozinhem por 2 minutos. Levem ao congelador para usarem mais tarde (necessita de pelo menos 4 horas antes de ser servido);
-Levem ao forno rodelas da beterraba cozida, talinhos de funcho e cenouras baby (20 minutos a 180ºC);
- Num tacho coloquem os tomates previamente cozidos e sem casca, açúcar e um pau de canela. Mexam e deixem cozinhar em lume moderado durante 1 hora. No final triturem o tomate, juntem sumo de um limão e um pouco de Porto Ruby;
-Grelhem o lombo de porco em azeite, sal, pimenta, louro, pimentão e uma estrela de anis.