Prova vertical Casa Ferreirinha Vinha Grande | O tempo necessário para ser inesquecível
“Alice: Quanto tempo dura o eterno? Coelho: Às vezes apenas um segundo.”
[Alice no País das Maravilhas] ― Lewis Carroll
Como o prometido é devido, vamos recuar uns meses, até ao dia 25 de Fevereiro, pelas 17h00, no salão árabe do palácio da Bolsa do Porto. Voltamos à Essência do Vinho Porto 2017 e a uma prova vertical inesquecível do Vinha Grande. Obtidos no Douro, os vinhos Vinha Grande constituem uma das marcas de relevo da histórica Casa Ferreirinha. Uma carteira de vinhos ampla liderada pelo mítico (e grande amigo :-P) Barca Velha, e que contém ainda outras referências de topo como o Reserva Especial, o Quinta da Leda ou o Callabriga, e ainda vinhos de maior volume, como o Papa-Figos e o Esteva. Para alguns dos que me estão a ler, poderá até parecer surpreendente (eu mesmo duvidaria se não tivesse estado lá), mas a verdade é que há garrafas Vinha Grande que conseguem permanecer em boa forma, aliás não é permanecer em boa forma, é crescer, por mais de 40 anos.
A prova foi conduzida por Luís Sottomayor, enólogo chefe da Ferreirinha, o homem que nunca bebe um vinho sem o pensar, e o mesmo homem que durante o decorrer da prova, com toda a certeza, lhe apeteceu espancar-me, mas já lá vamos :-P Luís Sottomayor é um enciclopédia viva, aprendeu com o Sr. Nicolau de Almeida (uma vénia) a arte de produzir bons vinhos, e conduz com mestria este género de provas.
Os dois primeiros vinhos, 2014 e 2005, são aquilo que eu já conhecia, fruta impetuosa, esteva, muita esteva, especiarias e uma excelente acidez.
O aroma do Vinha Grande 2014 é intenso, harmonioso e complexo. Adoro as suas notas balsâmicas a cedro, resina e caixa de tabaco. É encorpado, fresco e com taninos aguerridos. O seu final é longo e muito equilibrado.
A cor do Vinha Grande 2005 já perdeu os reflexos violáceos da juventude, todo ele é agora intensamente rubi. Os taninos também amadureceram, mas manteve a excelente acidez e a fruta continua muito presente, se bem que um pouco mais doce, quase que em compota. Surgiu o cacau e o cassis, e a persistência caiu um pouco mas ainda está cheio de vida.
Mal meti o nariz no Vinha Grande 1997 fui logo invadido pelos aromas deliciosos a Porto. Vê-se, ou melhor, cheira-se que teve uma boa evolução em garrafa, mas que ainda vai continuar o seu caminho de enobrecimento sem grandes problemas, por uns bons anos. A tosta é deliciosa e os taninos estão muito dóceis, mais dois ou três anos e estarão perfeitos. Surpreendentemente ainda mantém a groselha, além de aromas a tabaco e couro presentes desde o início. Isto não acontece com qualquer vinho, a complexidade não é adquirida forçosamente com a idade, ela tem de ter condições para existir, logo no início.
A cor atijolada pálida revelou logo que o Vinha Grande 1990 já havia sofrido oxidação. A fruta está completamente abafada pelos aromas terciários, pelo que o melhor deste vinho, infelizmente ... já passou. A boca é bem melhor que o nariz, talvez por causa da "desilusão" nos aromas, os taninos estão muito macios e a acidez não deixa que o vinho morra. Gostava de ter provado este vinho acompanhado por um javali assado, acho que iria resultar bastante bem.
Para último o melhor, o Vinha Grande 1975, longevidade e complexidade ...
É por vinhos como este que considero o Sr. Nicolau de Almeida um génio.
Vou-vos ser sincero, quando vi a cor do vinho, pensei imediatamente, oxalá cheire a farmácia, por favor que cheire a iodo, por favor!!! E não é que as duas primeiras notas são de farmácia e iodo??? As mesmas notas iniciais do Barca Velha 1965, que tive o prazer, sorte e privilégio de provar no ano passado. Fiquei tão surpreendido com estes aromas que transmiti o meu espanto ao Sr. Luís Sottomayor, dizendo-lhe que o Vinha Grande 1975 me tinha feito recordar o saudoso Barca Velha 1965. Bem, só vos digo uma coisa, se os olhos do enólogo tivessem balas eu estaria naquele momento estendido, baleado e sem vida no salão árabe do Palácio da Bolsa :-P
É óbvio que este Vinha Grande, não se compara ao Barca Velha, especialmente a um como o de 1965, faltam-lhe o cedro, o verniz, o sous-bois, a caixa de tabaco, as especiarias, as notas balsâmicas, as trufas, e sobretudo a intensidade e harmonia do Barca Velha. Mas continuo na minha, este Vinha Grande 1975 tem no ADN alguns nucleótidos do Barca Velha 1965 :-P
É muito complexo e delicado, com aromas de especiarias, chá preto e fumo, para além do iodo e farmácia que já vos tinha falado. No palato está ainda muito vivo (a alma de alguém muito grande ainda vive naquela garrafa), sedoso e fino. Já conta 42 anos mas acredito que ainda pode crescer em garrafa.
Nesta prova tivemos o privilégio de provar vinhos produzidos por dois ex-enólogos responsáveis pelo Barca Velha, Fernando Nicolau D'Almeida e José Maria Soares Franco; e pelo actual responsável, o Luís Sottomayor. Até por isso esta prova foi arrebatadora. Há momentos na vida em que apenas podemos/devemos dar graças pela sorte que temos, este foi um desses momentos.
O grande Fernando Pessoa escreveu que “Tudo o que é bom dura o tempo necessário para ser inesquecível”. Desta vez foi mais curto, durou apenas alguns segundos - aqueles entre a expectativa de encontrar a farmácia e o iodo e o suspiro após os ter sentido no Vinha Grande 1975- mas voltei a conversar com o Sr. Nicolau de Almeida, durou pouco, mas durou o tempo necessário para ser inesquecívelmente eterno.