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No meu Palato

No meu Palato

Quinta da Pacheca | O que a menina aprendeu com o camaleão

"Ao desafio respondia o camaleão: «Chegarei a meu tempo». Finalmente, a lebre assim como adquiriu panos bonitos, também os perdeu, por culpa da sua desordenada pressa. Anda agora para aí vestida com um cinzento escuro e sem cor. O lento e pautado camaleão juntou muitos tecidos, tantos e tão diferentes, que ainda hoje, a todo o instante, muda de roupa, conforme a ocasião" Conto tucokwe

Pacheca«Sigam a lição do camaleão, pois ele é um grande professor.» Poderia muito bem ter sido esta a frase inspiradora que Paulo Pereira e Maria do Céu Gonçalves, donos da Quinta da Pacheca, ouviram em 2012, na altura da compra desta propriedade.

PachecaA história começa um pouco antes, em 1551, aquando da plantação de umas vinhas pertencentes aos mosteiros de Salzedas e São João de Tarouca. Uns séculos mais tarde, a Quinta recebe um dos primeiros marcos pombalinos em 1758, para delinear o Douro como a primeira Região Demarcada de Vinhos do mundo, pelas mãos do Marquês de Pombal. Este marco ainda hoje está preservado dentro da Quinta da Pacheca, mesmo na entrada principal, junto aos tradicionais tanques de pedra.

PachecaCom cerca de 75 hectares de vinha plantadas no Património Mundial da Humanidade, classificado pela Unesco em 2001, a Quinta da Pacheca sempre esteve focada na produção de vinhos do Douro e Porto de qualidade superior, e foi uma das primeiras a engarrafar DOC vinhos na região sob sua própria marca (a sua comercialização começa em 1977).

PachecaEm 1995, a Pacheca inicia oficialmente o seu projecto de enoturismo, abrindo as suas portas para visitas guiadas à propriedade e venda dos seus vinhos na loja da Quinta. O conceito foi desenvolvido ao longo dos anos com outras actividades de relevante interesse enoturístico e resultou, em 2009, na abertura do Wine House Hotel Quinta da Pacheca, explorando assim outra forma de negócio e contribuindo para alargar a oferta turística numa cada vez mais procurada região.

PachecaDesde o ano passado a Quinta criou mais um inovador conceito, que nos voltou a fazer querer visitá-la: os Wine Barrels. Num cenário idílico e romântico, estes Barris de Vinho proporcionam uma experiência única de contacto com a natureza e com a realidade monumental desta região, reconhecida como um destino de excelência.. Momentos únicos de descanso que se imortalizam no tempo, num ambiente de ruralidade. Resumindo esta experiência numa frase: é o sonho de um enófilo tornado realidade ;)

PachecaSe estiverem a pensar que as "condições logísticas" para a dormida num destes barris serão bastante dificeis,  estão a pensar "estragado" como diz o meu sogro ;) O sorriso da Bia é uma boa metáfora para a tranquilidade, conforto e bem-estar que lá se vive. É óbvio que esta visita não ficaria completa sem rever o The Wine House restaurant. Nele, podemos encontrar um menu variado e tentador, que respeita o conceito de cozinha tradicional portuguesa e utiliza os produtos típicos do Douro que o virtuoso Chef Carlos Pires trabalha com uma inspiração muito particular, dando-lhe uma nova roupagem, mais vistosa, mais moderna e mais charmosa.

Pacheca Como não poderia deixar de ser, cada prato é harmonizado com os vinhos da casa, promovendo uma montanha russa de emoções e sabores. Depois de sermos brindados com a frescura, excentricidade e intensidade da Sardinha marinada em citrinos e gengibre sobre torradinha de pão de milho tradicional e puré de pimentos assados (só faltavam os balões para nos sentirmos no S. João) acompanhado pela frescura, apontamentos florais e aromas frutados, vivos e elegantes do Pacheca Terroir 2017 (80 pts.), surgiu na mesa o Escalope de foie gras sobre maçã de Armamar caramelizada e redução de vinho do Porto Tawny.
Pacheca

O Pacheca Moscatel (82 pts.) com a sua pêra confitada, tangerina e damasco fazia sobressair a untuosidade do foie e a ligeira doçura da maçã, enquanto que a complexidade do prato realçava a acidez e riqueza de aromas do vinho. Um jogo de contrastes enogastronómicos muito engraçado, unido pela voluptuosidade de ambos os intervenientes. 

PachecaO momento seguinte foi dedicado ao Taco de robalo sauté sobre legumes bebés braseados com linguini nero em fumé de peixe acompanhado pelo Pacheca Rosé Grande Reserva 2017 (88pts.). Um prato de massa com sabor a mar e a fumo.  O peixe é cozinhado no ponto, os acompanhamentos pensados ao pormenor para acrescentar complexidade, sempre com uma boa dose de surpresa, sendo promovida uma explosão de texturas, influências e sabores, com o poder de nos transportar para a beira-mar numa manhã de inverno. 

PachecaO vinho emprestou violetas, frutos silvestres e um leve fumado que combinou na perfeição  com o prato. Complexo, polposo e bastante persistente. Dos meus rosés favoritos. De entremeio, um delicioso e refrescante Sorvete de maçã verde com Pacheca Porto Lágrima e umas inesperadas e bem-dispostas petazetas.

Pacheca

Última paragem antes da sobremesa: Lombinho de porco cozinhado a baixa temperatura sobre migas de broa de milho com caldo verde e estufado de abóbora harmonizado com o Pacheca Grande Reserva Touriga Nacional 2015 (86 pts.).

PachecaA carne exibia um aroma intenso, salgado e levemente acidulado, com uma textura suave e pincelada com um pouco de gordura, combinava na perfeição com a doçura do milho e com a fruta vermelha do molho.  Toda esta experiência degustativa, já de si muito boa, cresceu e complexou com a bergamota, o sous-bois e as violetas do vinho. Surgiram ainda, mais tarde, notas de eucalipto, morangos e cerejas que acrescentam força ao seu final. Muito sedoso, denso, fresco e elegante.

PachecaA terminar Arroz doce com canela e leite-creme queimado com frutos vermelhos acompanhado pelo Pacheca Tawny 30 Anos (89 pts.). Um mix de frescura e conforto que resultou muito bem.  Quando o começamos a provar, surgem primeiro as notas daquele crocante do leite creme queimado, mais tarde aparecem os aromas do gelado que perduram no palato. Os frutos silvestres moderam um pouco a untuosidade do arroz doce. É guloso, fresco e fino. 

PachecaO Tawny fez com que os aromas a baunilha e frutos silvestres da sobremesa se prolongassem no vinho. Surgiram ainda cacau, caramelo, cardamomo e amêndoas, num equilíbrio perfeito entre fruta e madeira. Delicado, complexo e com um final longo, foi o parceiro ideal para esta sobremesa.

A manhã seguinte amanheceu solarenga e pincelada com um excelente pequeno-almoço.

PachecaDepois era tempo de regressar ao "trabalho" para a prova de mais uns excelentes néctares da Quinta da Pacheca, neste caso, os seus últimos lançamentos. Contei com a Bia na escolha dos cenários para as fotos às garrafas ;)

PachecaNo Pacheca Sauvignon Blanc 2017 (82 pts.) encontrei maracujá, maçã verde, abacaxi, espargos, boa acidez e uma excelente intensidade aromática. Seguiu-se uma agradável surpresa... o Pacheca Grande Reserva Branco 2017 (91 pts.).

PachecaMineralidade, lima, flor de laranjeira, cravinho, untuosidade sedutora, acidez irrepreensível e uma madeira elegantemente subtil. Muito complexo, preciso, intenso e equilibrado. A esta subtileza seguiu-se a força, poder e virilidade do Pacheca Grande Reserva Tinta Roriz 2015 (90 pts.).

PachecaExibe frutos silvestres, ameixas vermelhas, mirtilos, baunilha, chocolate, pimenta preta e anis. É encorpado, rústico denso e bastante aromático. Acho, no entanto, que o melhor deste vinho ainda está para vir, há que lhe dar mais um par de anos, e voltar a conversar com ele ;)

PachecaEm seguida, meus amigos, o grande Pacheca Vale de Abraão Colheita Seleccionada 2015 (93 pts.). Como já referi anteriormente, é um vinho melodioso e arrepiante, ideal para a conversa e não para a comida. Complexidade, equilíbrio, volume, intensidade e uma acidez incrível. Surgem mirtilos, amoras, ameixas pretas maduras, sous-bois, cacau, violetas e esteva. É denso, untuoso, elegante e espantosamente longo, quase interminável. 

PachecaNos Portos, houve tempo para rever o caramelo, o chocolate, as especiarias, as nozes, a pêra confitada e o mel do Quinta da Pacheca 40 anos Tawny (90 pts.). Um vinho rico, elegante e delicado. Mas o destaque vai todo para o Pacheca Vintage Port 2016 (92 pts.) com os seus apontamentos de frutos do bosque escuros, ameixa, figos, framboesa, mirtilos, cacau e resina. É denso, volumoso e intenso, mostrando excelente acidez, equilíbrio e elegância.

PachecaToda esta "caminhada" vínica, demonstra bem aquilo que a Pacheca é. Excelência em constante mutação e criatividade. Aqui não se dorme "à sombra da bananeira". E é isso que espero que a minha menina mais pequena tenha aprendido com esta visita. A seguir a lição do camaleão.

PachecaSe olharmos com atenção veremos que primeiro, quando o "bicho" inicia a sua marcha, nunca olha para trás (assim devemos fazer também com os nossos objectivos), depois enquanto se move, olha em todas as direcções (para estar informado e não ser apanhado distraído) e por último, quando chega ao seu destino, o camaleão toma a cor do que o rodeia. Para muitos isto é hipocrisia, mas na verdade espelha tolerância, respeito e humildade ...  e também o “saber viver” em comunidade.

Ainda bem que a Pacheca passou de lebre a camaleão, não mudem ;)