Quinta da Pacheca | O teu nome
"Porque todo ele é poesia, corre pelo peito como um rio. Devolve aos meus olhos a alegria, deixa no meu corpo um arrepio, porque todo ele é melodia, porque todo ele é perfeição. Falta-me dize-lo lentamente, falta soletra-lo devagar, ou então bebe-lo como um vinho, que dá força pro caminho ... quando a força faltar." Miguel Gameiro
Quem me conhece, conhece também o meu fascínio pela Quinta da Pacheca. Conheci-a há uns anos aquando do festejo dos 30 anos da minha princesa mais velha. Passaram 3 anos, 5kg, umas dezenas de cabelos brancos e nasceu uma princesa mais nova. No entanto, o local continua mágico e sempre numa constante metamorfose.
O The Wine House Hotel é dos primeiros espaços a promover turismo de charme num local onde se respira e transpira vinho. Tem recebido vários prémios a nível internacional, muito por culpa da sobriedade elegante com que a paixão pelo vinho, gastronomia e turismo é promovida dentro de portas. Espelho desse compromisso com a qualidade são os quase 70 mil visitantes que a quinta teve no ano passado.
E quando se passam essas mesmas portas somos imediatamente brindados com uma brisa de memória e sofisticação que nos asseguraram o máximo conforto e descanso. No coração do Douro vinhateiro, o hotel está alicerçado na antiga quinta do séc. XVIII e em grandes e imponentes vinhas. Nele podemos degustar vinhos, ter aulas de enologia, visitas guiadas à propriedade e, claro, jantar com vista para os reflexos misteriosos do rio Douro.
Num futuro próximo, a oferta enoturistica da Quinta da Pacheca vai ser enriquecida com inovação trajada de memória. Os hóspedes vão passar a poder pernoitar dentro de pipas. E não se deixem enganar, o conforto, o requinte, a sensação de espaço e todos os comodismos permanecem imaculados no seu interior.
Imaginem-se numa noite de verão, dentro de de um destes toneis, com vista para as vinhas velhas e para o Douro, com um Pacheca Superior Branco no palato ou então, no inverno, com vista para uma lareira e com um Pacheca Vintage na alma, haverá melhor cartão de visita que este? :-P
Depois de uma agradável conversa com Ricardo Santos (responsável pelas experiências ligadas ao enoturismo) sobre os desafios que a quinta enfrenta, era chegada a hora do jantar e de conhecer-mos a heterogénea e sedutora ementa do Chef Carlos Pires, que bebeu inspiração na cozinha tradicional portuguesa recorrendo muitas vezes aos produtos típicos durienses e a uma apresentação moderna e cuidada. O primeiro dueto da noite foi reservado para o Vieira marcada ao momento sobre puré de ervilhas trufado com pó de presunto e Pacheca Superior Branco 2016.
A vieira tinha a consistência de um pedaço de manteiga, muito rica e carregada de maresia. As ervilhas e a micro-salada deram uma agradável frescura e notas vegetais ao prato, enquanto que o presunto diversificou as texturas e introduziu aromas mais carnudos. A complexidade da vieira foi potenciada pelo Pacheca Superior Branco 2016, um vinho que gosto muito, sobretudo por culpa de uma mineralidade intensa e de um certo aroma a pólvora que me agrada imenso. O bouquet é completado pelas frutas tropicais, compota de lima e melão.
Seguiu-se a Bocheca de porco cozida a baixa temperatura sobre favas com chouriço. A carne de porco cozinhada com Porto Ruby ficou muito macia, delicada e suave. As favas confeccionadas com tempo ganharam suco e mineralidade ficando muito ricas e cremosas. O chouriço funciona como elo de ligação entre a bocheca e as favas, elevando a qualidade do prato a um outro nível. Não sei porquê, mas fez-me recordar uma Fabada Asturiana.
Este prato estava mesmo a pedir um vinho com uma excelente acidez e com um elevado teor alcoólico. O Pacheca Rosé Reserva 2016 emprestou isso e ainda trouxe cerejas, morangos, pétalas de rosa, flores secas, pedra molhada e esteva, engrandecidas por um fumado muito atraente. Foi uma enorme surpresa, muito equilibrado e aromático, que no palato chega a ser untuoso (sei que é esquisito falar assim de um rosé) , muito fresco e encorpado.
Com o pensamento ainda no vinho anterior, surgiu na mesa a elegância do Pregado com molho de azeitona e amêndoa com legumes braseados. O peixe bastante refinado e saboroso ganhou muito com o tempero da azeitona e a madeira da amêndoa. Os legumes deram uma outra cor ao prato e diversidade aromática ao palato.
A finesse deste prato foi realçada pelo Quinta da Pacheca Superior Tinto 2014, um vinho muito rico, fincado e maduro. No nariz quase que nos remete para a intensidade de um Porto, equilibrado pela acidez e pela fruta. Surgem notas de cacau, framboesas, cerejas, violetas e pimenta branca que encaixaram como uma luva no molho de azeitona e amêndoa.
Antes da sobremesa, o meu prato favorito. Ainda hoje, pensar nele ... faz-me salivar :P Barriga de leitão cozinhado a baixa temperatura com brás de tomate. A camada superficial do leitão estava ligeiramente crocante, enquanto que o interior aprisionava um caldo delicioso carregado de aromas e luxúria. Esse "exagero" aromático foi "domesticado" pelo tomate e pela laranja. No entanto, o que mais me agradou foi o brás de tomate, acrescentou originalidade ao prato, substituindo a batata frita que tradicionalmente acompanha o leitão por algo mais elegante, mas igualmente intenso. O resultado é um prato mais equilibrado, mais fresco, mais melodioso.
Foi acompanhado pelo Pacheca Reserva Vinhas Velhas 2014. Este vinhas velhas é o vinho que tenho em maior quantidade na minha garrafeira. Porquê? Porque nunca falha :-P Cheio de carácter, complexidade e intensidade, só um vinho assim era capaz de acompanhar este leitão. Brinda-nos com mirtilos, ameixa, compota de cereja, baunilha, noz-moscada e uma brisa muito ténue de hortelã. Tudo com muita qualidade, tudo muito bem equilibrado.
Como sobremesa três deliciosos apontamentos, Esfera de chocolate negro com azeitona e espuma de chocolate e poejo com sorvet de framboesa e macaron. Gostei muito da acidez do sorvet de framboesa, da riqueza do macaron e da intensidade da espuma de chocolate e poejo, no entanto a atenção do meu palato focou-se na esfera de chocolate negro com azeitona. Parece um petit gateau com todas as suas virtudes mas que ganhou largura aromática com a introdução da azeitona. Tão bom quanto original.
Com uma diversidade tão grande de aromas na sobremesa era necessário um vinho muito versátil, o Pacheca Porto Vintage 2012. O seu nariz ainda é jovem, mas já começa a mostrar algum desenvolvimento com cerejas maduras, framboesas, passas, ameixas, canela e cedro que conversaram muito bem a sobremesa.
O palato untuoso é dominado por taninos firmes e frutas pretas muito opulentas e uma pitada de brawny de chocolate. A noite acabou assim em grande e era necessário recolher aos aposentos a fim de recarregarmos energias porque na manhã seguinte ainda havia tempo de provar três grandes vinhos.
O dia amanheceu bonito e foi possível (re) descobrir toda a riqueza desta quinta e da região do Douro. Guiado pela propriedade, mais uma vez pelo Ricardo Santos, ficamos a conhecer toda a sua história, bem como os processos de vinificação com que os seus vinhos são produzidos. Porque ali, tudo (enoturismo, restauração, hotel, experiências) é assente num principio basilar: a qualidade dos seus vinhos.
O primeiro do trio maravilha foi o Quinta da Pacheca 40 anos Tawny, um vinho apaixonante. Conjuga muito subtilmente o caramelo, o chocolate, as especiarias, as nozes, a pêra assada e o mel de maneira muito atraente e agradável. Rico, elegante e delicado.
Depois provei pela primeira vez o Quinta da Pacheca Lagar nº1 Reserva 2014. No nariz exibe alcaçuz, couro, amoras, ameixa, cassis, chocolate, café e pimenta. Longo, persistente, encorpado, aveludado e complexo. Os taninos com pulso forte mas "domesticados" são equilibrados por uma acidez que lhe confere uma excelente frescura.
Por último um grande, grande vinho: o Quinta da Pacheca Vale de Abraão Colheita Seleccionada 2014. Um vinho melodioso e arrepiante, ideal para a conversa e não para a comida. Complexidade, equilibrio, volume, intensidade e uma acidez incrível. Mirtilos, amoras, ameixa preta madura, sous-bois, chocolate e esteva. É denso, untuoso e espantosamente longo.
Mas este vinho é muito mais que essas notas objectivas, há muita subjectividade, muito mistério... Porque todo ele é quase como poesia, que nos corre pelo peito como um rio, como o rio que lhe deu origem. Devolveu aos meus olhos a alegria de regressar ao passado com a imensa felicidade que sinto no presente. Deixou no meu corpo um arrepio, porque todo ele é melodia, porque todo ele é perfeição. Encarna muito bem aquilo que o nome da Quinta da Pacheca transporta: a alma e espírito durienses.