Quinta do Vallado | Uma Breve História do Tempo
"A quinta é certamente o local mágico do Douro. Talvez a realidade essencial desta maravilhosa região. O lugar certo com o espírito, onde se encontram a natureza, a história, o trabalho, os homens e o vinho. Tudo começa na quinta: a ideia, o plano, a organização e a preparação dos meios. Tudo acaba na quinta: as vinhas, as uvas, a colheita, o lagar, o armazém, as pipas e as garrafas." António Barreto
São 300 anos no coração do Douro, que guardam uma grande parte da história e alma da região. Falarmos do Douro é obrigatoriamente falarmos da Quinta do Vallado... Para além dos seus vinhos de qualidade inquestionável, a actividade da Quinta alargou horizontes com os seus azeites, hotelaria rural e enoturismo.
Ergue-se no abraço entre o rio Corgo e o Douro, pertíssimo da Régua e inserida numa paisagem carregada de socalcos e patamares de vinhas. É impossível ficarmos indiferentes ao casario da Quinta, que harmoniza de maneira muito elegante o ocre amarelo característico dos edifícios mais antigos com o cinzento da moderna adega e hotel.
Não é difícil sentirmos o peso e a presença do passado no interior do hotel, pincelado com um antigo confortável, com tapeçarias e pinturas a óleo e uma brisa de história. Um bonito esforço para promover excelência e autenticidade sem danificar a identidade do espaço.
Os quartos da casa antiga estão mobilados homenageando o século XVIII: cabeceiras de madeira, casas de banho com azulejos e móveis antigos. Muito diferentes, os oito quartos do novo hotel são mais contemporâneos e minimalistas, com piso em xisto, paredes brancas com enormes fotografias a preto e branco da região e muitos detalhes em madeira.
Respira-se um ambiente acolhedor, quase familiar, em que constantemente se é brindado com alguns mimos, desde os vinhos da Quinta, à fruta da época acabada de colher no pomar, passando por doces regionais.
O hotel oferece ainda passeios pela adega e provas de vinho, jardins, uma piscina, um spa (e que spa, mas já voltamos a falar dele) e ainda passeios de barco. Existem bicicletas para emprestar e piqueniques que podem ser feitos num local à escolha dos hóspedes. A equipa é excelente e o serviço é rápido, genuíno, próximo (devo dizer amigo?) e eficiente.
Depois da visita à nova adega de barricas, projectada por Souto Moura, parcialmente soterrada e quase que crescendo para as vinhas, era chegada a hora de provar alguns dos melhores néctares que o Vallado tem para nos oferecer.
A mineralidade, fruta e acidez do Vallado Branco 2017, os frutos vermelhos, violetas e esteva do Vallado Tinto 2016, o equilibrio, taninos domesticados e flor de laranjeira do Quinta do Vallado Touriga Nacional 2015, os frutos silvestres, caixa de charuto e especiarias do Quinta do Vallado Sousão 2015 e a elegância, persistência e complexidade em forma de cassis, figos, amoras e tabaco do Quinta do Vallado Reserva Field Blend 2015 (este é um dos meus tintos de eleição, na gama em que se insere).
No final da prova e antes do jantar ainda houve tempo para ser seduzido pelos frutos secos, alcaçuz, chá de earl grey, mel e casca de laranja confitada do Quinta do Vallado Tawny 30 anos. Um dos melhores 30 anos que provei, um vinho muito bom, seco no carácter e com toques de fruta compotada amarga, que acaba com uma acidez intensa e muito persistente.
Depois de uma boa conversa em família que serviu para trocar impressões sobre a Quinta, o hotel, os vinhos e de um acontecimento importante que se avizinha para Agosto (:-P) era chegada a hora de jantar no restaurante da Quinta.
Os vinhos, e como não poderia deixar de ser, seriam os do Vallado; a comida iria ser regional, assente em ingredientes de origem local, como o carpaccio de vitela, o polvo à lagareiro ou o lombo de porco assado em forno a lenha.
As rosas, menta e boa acidez do Vallado Prima 2017 acompanharam na perfeição a finesse, frescura, fumo e aroma delicado da vitela. Preparam o palato para a riqueza aromática do polvo à lagareiro.
Crocante por fora, quase que levemente fumado, e por dentro gulosamente tenro e suculento. O tempero é extraordinário, carregado de maresia, voluptuosidade e intensidade, mesmo muito bom!!! Ansiava um branco com barrica, especiado e mineral.
O Quinta do Vallado Reserva Branco 2016 trouxe-lhe isso e ainda corpo, complexidade. As notas cítricas e as maçãs maduras acrescentam-lhe irreverência e concentração.
No prato de carne, o porco ibérico exibia um aroma intenso, salgado e levemente acidulado, com uma textura suave e pincelada com um pouco de gordura, combinava na perfeição com a doçura do puré de batata doce e com a fruta vermelha do molho de vinho do Porto.
Toda esta experiência degustativa, já de si muito boa, subiu de nível com os frutos silvestres, sous-bois, espargos e charutos do Quinta do Vallado Vinha da Coroa 2015. Surgem ainda, mais tarde, notas deliciosas a cogumelos e a sal que trazem profundidade; e pimenta branca e notas de eucalipto que acrescentam força ao seu final. Provém de uma vinha velha, centenária, com uma mistura de 34 castas.
A Vinha da Coroa encontra-se no topo mais alto da Quinta do Vallado... como uma coroa sobre as vinhas. Fiquei fã. Pelo que me disseram no restaurante, está a ser muito bem aceite no mercado, e resultado disso, a garrafa que bebemos foi uma das últimas à venda no Vallado. Nas sobremesas começamos pela frescura do gelado de morango e a voluptuosidade do fondue de chocolate.
Foram harmonizados com a fruta preta madura, especialmente a ameixa, estrutura possante e densa que equilibra a fruta madura e os taninos ainda com demasiadas arestas do Quinta do Vallado Vintage Adelaide 2015. Está carregado de uma acidez suculenta, secura, e concentração que lhe fazem antever uma espectacular evolução em garrafa. É daqueles para ir conversando daqui a uns anos ;)
Para acabar a refeição, a frescura da laranja, calda doce e canela, que nos fez voltar a chamar pelo Quinta do Vallado Tawny 30 anos :-P Uma refeição deliciosa assente em produtos regionais e vinhos da quinta, a mostrar mais uma vez que o "vá para fora cá dentro" é um lema vencedor. Uma palavra ainda para o Octávio Silva, pela maneira impecável com que nos tratou ;)
A noite anterior acabou com laranjas, o dia amanheceu com ... laranjas. Pois são as laranjeiras, o jardim e as vinhas que escondem um dos segredos mais bem guardados (até agora :-P) pela Quinta, o seu spa.
O spa tem um jacuzzi com vista sobre o laranjal, banho turco, sauna e massagens sob marcação. Cada quarto tem uma hora de spa reservada, o que faz com que esta experiência ganhe encanto, intimidade e serenidade.
Nesta breve história do tempo da Quinta do Vallado cabem ainda as demarcações do Marquês de Pombal, a relação nem sempre amigável com os ingleses, a luta entre famílias, dramas e infortúnios da natureza, a filoxera, o oídio, as guerras (com os franceses, liberais e civis) e a alma abnegada, integridade, civismo, trabalho e magia de Dona Antónia Adelaide Ferreira, a Ferreirinha, a rainha do Douro.
É por isso que a Quinta, especialmente esta Quinta, é certamente o local mágico do Douro. Talvez a realidade essencial desta maravilhosa região. O lugar certo com o espírito, onde se encontram a natureza, a história, o trabalho, os homens e o vinho. Tudo começa na quinta: a ideia, o plano, a organização e a preparação dos meios. Tudo acaba na quinta: as vinhas, as uvas, a colheita, o lagar, o armazém, as pipas e as garrafas. Acredito que na Vinha da Coroa não reside apenas uma vinha centenária, lá mora também a alma da rainha do Douro, como que protegendo uma das suas obras mais bonitas.
Estas são memórias de dias fantásticos, em excelente companhia, no coração do Douro, banhados pela magia do saber receber de coração aberto, bem próprio da Quinta do Vallado.