Quinta Nova N. S. do Carmo | Sabedoria, tradição e tarte da madrinha
"Há pensamentos que são orações. Há momentos nos quais, seja qual for a posição do corpo, a alma está de joelhos." Victor Hugo
Se existisse uma expressão capaz de definir a Quinta Nova N. S. do Carmo, essa expressão seria: "Em paz, com a natureza e longe de tudo".
Este é o sentimento que veio à minha mente quando percorri a estrada nacional 222, atravessei o Douro, no Pinhão e percorri durante quase uma hora a estrada municipal 1268. Essa é a estrada serpenteante que vemos do outro lado do rio quando percorremos a 222. A viagem poderia ter demorado um pouco menos, mas o cenário é de tal forma apaixonante, que mais vale colocar o pé no travão e acelerar na emoção :-P
No entanto, o melhor ainda estava para vir...
São quase três séculos de história na produção de vinhos (Douro e Porto), e um premiado projecto de Enoturismo que inclui uma Winery House e um Winery Restaurant, o Conceitus.
A quinta ainda exibe com orgulho as fachadas bem conservadas e o edifício original da adega de 1764, após intervenções levadas a cabo pelo arquitecto Arnaldo Barbosa.
Susana Pinho, a nossa cativante guia informou-nos que no entanto a quinta é muito anterior esse ano e que os dados históricos confirmam-na como pertencente à Casa Real Portuguesa. Os registos do seu primeiro dono datam de 1725. A adega da quinta produzia mais de 3.500 pipas de vinho, a partir de uvas próprias e outras compradas a quintas vizinhas, tendo sido logo integrada na primeira demarcação da região. Quando hoje, percorremos os seus meandros, respiramos imediatamente a forte memória histórica que os mesmos encerram.
Por ser tão antiga, a história desta quinta é construída por várias famílias, quase todas de origem portuguesa. Em 1999 a família Amorim (a das rolhas de cortiça :-P) compra-a em resultado de um namoro antigo e fruto da sua paixão pelo Douro. Assim nasce uma nova página nesta bonita história. História essa que passa a estar intimamente ligada a uma aposta na tradição optimizada pela sabedoria moderna. Com tamanha e encantadora lição de história, o estomago já se estava a fazer ouvir falar, e quem me conhece, sabe que por vezes ele fala bem alto :-P
Era a altura ideal para conhecer o Conceitus Winery Restaurant que como o seu nome indica assenta a sua gastronomia em vários conceitos, todos eles em perfeita harmonia com os vinhos da propriedade. Diariamente são apresentados menus exclusivos e originais, de acordo com o que a natureza oferece, assumindo um forte cariz de sustentabilidade e preservando os recursos alimentares locais, seleccionando sempre os melhores produtos da época.
Havia a possibilidade de almoçar dentro do restaurante ou então no terraço exterior sob a sombra de uma ramada. Dados os 35ºC que faziam ao almoço e de estarmos com a princesa Beatriz, optamos por almoçar na sala principal do restaurante protegidos desse calor abrasador.
Como boas-vindas do chefe Rui Frutuoso tivemos manteiga, salmão, ananás, polvo e orelha de porco. O salmão com ananás é perfeito para um dia como aquele. Refrescante, a acidez do ananás dá um sabor brilhante ao salmão. Isso, juntamente com a cebola ajuda realmente a emulsionar as gorduras essenciais que estão no salmão.
O polvo e a orelha de porco estavam fantásticos ao nível do sabor e textura, respeitando a cozinha tradicional portuguesa. A gordura do salmão, porco e polvo combinaram muito bem com a manga, maracujá, mineralidade e untuosidade do Pomares Branco 2016. Surpreendeu-me muito a persistência deste "entrada de gama".
Seguiu-se uma truta fumada com abacate, cebola roxa confitada e tomate cherry assado. Tem uma mistura equilibrada e muito engraçada de ingredientes frescos e bem vincados. A mordida da cebola roxa confitada é subjugada pela acidez do tomate e do azeite, enquanto o abacate aumenta a cremosidade amanteigada que complementa o fumo da truta.
Quando coloquei o nariz no Graínha Reserva 2016 e me apareceram imediatamente o pêssego, a ameixa e o alperce, vi logo que este vinho ia fazer as delicias da minha esposa. Dito e feito :-P Tal como no Pomares a mineralidade e aromas tropicais deste vinho são bem evidentes, no entanto é mais elegante, complexo e harmonioso. É um vinho fervorosamente delicado e com uma viscosidade apaixonante. Confesso, também eu gostei, e muito :-P
O prato principal seria perna de pato, puré de batata doce, espargos verdes, laranja com mel e vinho do porto. O pato estava tão macio que caiu do osso e a sua gordura foi equilibrada pelas ervas e especiarias usadas na confecção. A acção conjunta dos espargos, laranja e vinho do Porto realçam os sabores primários da carne, que são completados pela voluptuosidade quase carnal do puré de batata doce. Todo o prato em conjunto faz muito sentido, fica suculento e saboroso, com os sucos a completarem e a envolverem os acompanhamentos.
Pedia-se um vinho com uma excelente acidez, e surgiu na mesa o Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo Reserva 2014. Mas que grande vinho rubi com pinceladas violetas. Acrescentou ao pato amora, cereja, mirtilos, tosta, noz moscada, pimenta e cedro. É denso, voluptuoso, com grande equilíbrio e macio.
No entanto, este carácter sedoso não cansa pois é balanceado pela força dos taninos. Bastante longo e com uma dança harmoniosa muito interessante entre açúcar, acidez, taninos e álcool. É impossível ficarmos indiferentes a este vinho, tomado na casa que o viu nascer.
Para acalmar o estômago e sobretudo o palato foi servido uma infusão de vinha muito agradável e com uns taninos e acidez verdadeiramente surpreendentes. A sobremesa iria ser tarte tatin de pêra rocha, creme de baunilha e gelado de nata.
Fez-me imediatamente relembrar umas tartes de pêra que a minha madrinha costumava fazer para a ceia de Natal. Este "puxar" por recordações antigas é uma das coisas mais bonitas que podemos sentir à mesa. Voltei a sentir aquele cheiro inebriante do brandy, que absorve os frutos enquanto eles cozinham. Cheiro a brandy e aos presentes à espera de serem abertos :P
As outras memórias em forma de aroma também lá estavam. O incrível sabor da fruta, a base crocante, as peras firmes e suculentas e aquela cobertura de caramelo doce e amanteigado, que segura e harmoniza toda a sobremesa. Delicioso!!! A tarte foi acompanhada por um Quinta Nova Late Bottled Vintage 2013.
Com uma cor rubi profunda, é complexo, notas de amoras e mirtilos maduros, bagas, alcaçuz, rosas e notas balsâmicas. Na boca revela um volume enorme, uma estrutura forte, delicadeza, intensidade e profundidade. Com um impressionante equilíbrio entre doçura,fruta, acidez e álcool, não só acompanhou bem a tarte como também uma óptima selecção de queijos portugueses e frutos secos.
Acaba suave, certeiro e muito persistente. Persistência essa que foi presença continua em todos os vinhos que provei neste almoço. Um final em grande para uma maravilhosa refeição marcada com os sabores indeléveis da região duriense.
Para além do restaurante e de se poder aproveitar a sinergia da natureza para relaxar, a Quinta Nova N. S. do Carmo tem várias actividades em torno do vinho, como degustações de vinhos, percursos pedestres, visitas à adega para perceber o processo de produção de vinhos e ainda um museu criado por Fernanda Ramos Amorim que procurou desta forma preservar a memórias das gentes, saberes e ofícios do Douro.
Como já vos tinha dito, possui ainda uma Luxury Wine House com apenas 11 quartos voltados para a vinha e para o rio Douro, confortáveis e com bom gosto na decoração e em plena harmonia com a natureza. Nasceu no edifício da casa senhorial oitocentista e oferece todo o bom estar "caseirinho" de uma quinta familiar com os requintes e mimos que os nossos dias exigem :P
Entre vinhas, jardins e terraços, podemos ainda perdemo-nos numa paisagem parada no tempo, com uma capela, um jardim de inverno ou simplesmente a sentir o aroma de pequenos pomares de frutas, locais históricos e recantos únicos, dignos de uma visita bem demorada e sem pressas.
É um convite à verdadeira experiência do espírito do Vale do Douro, numa paisagem de cortar a respiração!!!
Tem ainda uma piscina com vista para o majestoso vale do Douro, abraçando as vinhas que percorrem uma paisagem acidentada e pedregosa até chegarem ao rio. Os materiais utilizados para as escadas, passarelas e outros, são pedras e madeiras indígenas.
Com pouca e ponderada intervenção na quinta, a construção acabou por assentar num espaço, terreno e pedras antigas.
Equilibrio, elegancia e caractér são palavras que caracterizam bem o compromisso que esta quinta mantém com a memória do seu passado. Há momentos que por serem tão especiais e marcantes, seja qual for a posição do corpo, a alma está de joelhos. Foi assim que me senti na Quinta Nova N. S. do Carmo. A visita foi no verão, mas lá, cheirei o Natal...
Obrigado pelo convite Paula Sousa.