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No meu Palato

No meu Palato

Restaurante Egoísta | A minha interpretação subjectiva de algo objectivamente saboroso

“De certa forma, o trabalho de um crítico é fácil. Nós arriscamos pouco e temos prazer em avaliar com superioridade os que nos submetem seu trabalho e reputação. Ganhamos fama com críticas negativas que são divertidas de escrever e ler. Mas a dura realidade que nós, críticos, devemos encarar é que, geralmente , a mais simples porcaria talvez seja mais significativa do que a nossa crítica. Mas, há vezes, em que um crítico arrisca de fato alguma coisa como quando descobre e defende uma novidade. O mundo costuma ser hostil aos novos talentos, às novas criações, o novo precisa de ser incentivado. Ontem à noite eu experimentei algo novo, um prato extraordinário, de uma fonte inesperadamente singular. Dizer que tanto o prato, quanto quem o fez desafiam minha percepção sobre gastronomia é extremamente superficial. Eles conseguiram abalar minha estrutura. No passado, eu não mantinha em segredo o meu desdém pelo famoso lema do Chefe Gusteau: «Qualquer um pode cozinhar». Mas eu percebo que só agora compreendo realmente o que ele queria dizer. Nem todos se podem tornar grandes artistas, mas um grande artista pode vir de qualquer lugar. É difícil imaginar origem mais humilde do que esse génio que agora cozinha no Gusteau’s, que é, na opinião deste crítico, nada menos do que o melhor chef da França. Eu voltarei ao Gusteau’s em breve, com muita fome”. 

Anton Ego, Ratatouille


Pode-se dizer que a ideia deste blog teve origem dentro das quatro paredes deste restaurante...

Em Setembro de 2014 num jantar surpresa de aniversário conheci o restaurante Egoísta e o abnegado chef Hermínio Costa.

 

Restaurante Egoísta - Casino da Póvoa de Varzim

Já tinha ouvido falar deste restaurante, pois é sempre o primeiro a esgotar (e bastam algumas horas) no Restaurant Week.

À hesitação inicial por ser um restaurante dentro de um casino, com o seu ambiente ruidoso, caótico e acelerado, surgiu a delicadeza, calma, serenidade e requinte do espaço contíguo ao restaurante.
O ambiente é ecléctico, intimista e acolhedor, onde o bom gosto e a arte são cozinhados em lume brando deste a recepção até ...  (e pasmem-se) à casa-de-banho...
O hall de entrada tira o testo a uma pequena zona de convívio com um bar, onde é preparado o palato para as deliciosas criações do chef.

 

Restaurante Egoísta - Sala

Os tons quentes da sala de jantar contrastam com o fresco jardim de Inverno, que conjugados com o bom-gosto das telas criam um ambiente elegante e confortável. Uma varanda com vista para o mar, tornaria este espaço imbatível!!!

Mas "aquilo" que mais se destaca neste restaurante é o chef Hermínio, que baseia a sua mestria nos sabores tradicionais portugueses dando-lhe um novo "guarda-roupa". Tradição, inovação, saber-fazer e modernidade encontram-se num feliz cruzamento.

Mas nem tudo pode ser conceptual, a cozinha de autor é alicerçada na escolha criteriosa de ingredientes frescos, da época e da máxima qualidade.

Ainda me recordo do primeiro prato!!!

Uma salada de Camarão da Costa e Sapateira com tostas de caril e vinagrete de manga acompanhado por um Curva Reserva 2010...

 

Restaurante Egoísta - Cozinha

Permanece ainda hoje como um dos meus favoritos. Combinava sabores, texturas e aromas, nenhum ingrediente se sobrepunha ao outro, a harmonia era perfeita. Para o chef Hermínio Costa não "basta" saber bem, tem que parecer ainda melhor.

Referi anteriormente numa outra plataforma que os pratos do chef Hermínio parecem quadros comestíveis com um sabor extraordinário, único e bem vincado.

Esta experiencia fez-me querer conhecer melhor este chef. Apesar de na altura ser um autentico desconhecido para mim, possuía já uma longa carreira... Este artista nasceu em Angola, na pequena cidade de N’ Dalatando e abraçou o mundo da culinária bebendo conhecimento no Núcleo Escolar de Vidago da Escola de Hotelaria e Turismo do Porto no inicio da década de 80, onde foi também Assistente de Monitor. Mais tarde, em 1984, foi cozinheiro da Embaixada de Portugal em Bruxelas, para um ano mais tarde, regressar a Portugal para ingressar na equipa do Hotel Meridien, no Porto, onde trabalhou afincadamente durante um ano. Até 1992, foi chef de cozinha no restaurante A Porta Nobre, na Ribeira do Porto, e nos anos seguintes liderou as cozinhas do Hotel Infante de Sagres, do Grande Hotel da Batalha, ambos na cidade invicta, e, em 1995, regressou ao Hotel Meridien, para liderar a sua cozinha. 

 

 chefe Hermínio Costa - Marisco

 

Está no Egoísta a pincelar memórias há mais de 15 anos.

A elegância, sabor e originalidade criaram em mim uma ligação umbilical com este restaurante, depois desta primeira vez, muitas outras vieram (como podem constatar no número de menus que ainda guardo :-P) ... Em todas elas, no peixe, na carne ou nos doces fui surpreendido com algo novo, extraordinário, de uma fonte inesperadamente singular.

Senti então a necessidade de materializar em palavras aquilo que ia sentindo, estavam lançadas as sementes que mais tarde deram origem ao no_meu_palato.

 

Restaurante Egoísta - Menus

Se a selecção de ingredientes de qualidade e frescura é a marca indelével da cozinha de Hermínio Costa, essa exigência é elevada ao expoente máximo nos peixes. Provavelmente aprendeu a seleccionar o bom peixe com o pai, que comprava os peixes para depois os vender na “Peixaria Costa”. A qualidade da matéria prima é mais tarde aliada  aos aromas e memórias das pitangas, muzongué, ginguba e das muambas.

Desses peixes guardo na memória sobretudo dois pratos, um Robalo de linha escalfado em Blanc de Blancs com aveludado de lagostins e alho francês acompanhado por um Mumm de Cramant (Outubro de 2015) e um Lombinho de Bacalhau confitado harmonizado com um Azamor Selected Vines 2010 (Setembro de 2015). 

 chefe Hermínio Costa - Peixe

O sabor a mar inspirador de ambos entra-nos  pelo corpo e fixa-se nos rochedos das nossas recordações. O peixe é cozinhado no ponto, os acompanhamentos pensados ao pormenor, sempre com uma boa dose de surpresa, ali vivem as mais puras recordações do mar poveiro e das suas gentes. Fizeram-me fechar os olhos e abrir novos horizontes.  

Os pratos eram arrebatadores a nível estético mas, no entanto, o sabor supera o efeito visual, com uma explosão de texturas, influências e sabores, com o poder de nos transportar para as dunas numa noite de inverno.

 chefe Hermínio Costa - carne

Da carne, vou falar-vos apenas de um prato, o que mais me marcou até hoje, uma feijoada no final do ano passado (infelizmente é o único menu que devo ter perdido :-()...

Este prato foi  uma monumental epopeia sobre memórias, ainda hoje, recorda-lo ... abala a minha estrutura!!! Lembram-se daquela cena do filme Ratatouille, onde o crítico de culinária Anton Ego degusta um prato do chef Ratatouille que lhe provoca uma epifania, remetendo-o para sua infância, quando comia exactamente o mesmo prato, cozinhado pela mãe? Pois é… senti o mesmo com esta feijoada, uma "simples feijoada" que me sentou de novo à mesa com os meus pais e irmão umas décadas atrás (não acredito que já envelheci o suficiente para poder dizer estas coisas :-P).  Voltei a viver aqueles dias de menino, em que passava o inverno na aldeia, povoada de frio, nevoeiro, cheiros, sons e sensações, quase que era capaz de vos jurar que aquela feijoada tinha o aroma da caruma que ardia na fogueira feita pelos meus avós.

O mais incrível disto tudo, foi que quando contei ao chef que tinha adorado o prato, ouvi um: "já sabia que ia gostar", coisas de génios!!!

 chefe Hermínio Costa - sobremesas

Nas sobremesas o sentido estético do chef atinge níveis que poucos conseguem atingir. Se isto não é arte, o que será? Todas as sobremesas representam um mesmo sabor aglutinado através de diferentes texturas: gelados, reduções, cremes, caramelizações, espumas, crocantes e quase sempre ... uma flor :-P Neste jardim encantado que são as sobremesas do chef Herminio, não há jardineiro em Portugal que o acompanhe. Acho que pela dedicação, paixão e comprometimento que coloca em cada uma delas, devem ser aquilo que o chef mais gosta de preparar, sobremesas encantadas,  serão influencias da sua mãe e da sua avó?!?.

O bolo de amêndoas e pêra Bêbada com molho de chocolate negro (Março de 2016) foi a última criação do chef Herminio que tive o prazer de degustar, compromissos pessoais, profissionais, gastronómicos e vínicos têm-me mantido afastado do Egoísta por um tempo bastante superior ao que seria desejado, já começo a ressacar por estas obras de arte gustativas :-P

Muitas outras coisas abalaram a minha percepção sobre a gastronomia, desde a beleza, requinte e sofisticação dada ao "bicho feio" que é a lampreia, até à conjugação divinal de aromas dos pratos com trufas passando pela maneira inspiradora como cozinha o risoto.

Restaurante Egoísta Vinhos

Pelo impacto que teve na minha maneira de olhar a gastronomia e os vinhos, ainda pensei que o primeiro post do blog poderia ser sobre o chef Hermínio Costa, quis no entanto "amadurecer" um pouco mais aquilo que escrevia de modo a conseguir passar para palavras aquilo que o chef me passa para o palato, tarefa difícil, mas tentei :-P 

Esta minha "interpretação objectivada de uma impressão subjectiva" (como escreveu Fernando Pessoa a respeito das obras de arte) peca por escassa, o chef é muito mais que aquilo que consigo expressar por palavras. Quando as mesmas palavras não conseguem expressar os sentimentos, memórias e sensações, são como flores que não conseguem descrever o seu perfume... pois, algumas coisas precisam somente ser sentidas, e transmitem-se  melhor num olhar, num suspiro ou num sorriso, do que no mais belo dos poemas...  Assim acontece com a cozinha do chef Hermínio!!!

chefe Hermínio Costa

 

Tenho claramente um vinho favorito, não vos vou maçar de novo, todos já sabem qual é :-P, e exactamente pelos mesmos motivos; história, tradição, vida, competência, memória de sabores, bouquet de sensações e excelência em tudo o que o caracteriza, o chefe Hermínio é o meu chef favorito.  
Quando ganhar a estrela (porque sei que a vai ganhar...) ficarei quase tão contente como o chef, tenho-o como o meu alter ego gastronómico :-P Sei que arrisco alguma coisa ao dizer isto, mas é, na minha opinião, nada menos do que o melhor chef Português, tem qualquer coisa que os outros não têm, gosto de lhe chamar abnegação.

O chef costuma dizer que "Nós somos o que vivemos, o que viajamos, o que provamos", muito do que sou, conheci-o através de si...

Voltarei ao Egoísta em breve, com muita fome :-P


 

Restaurante Egoísta

Edifício do Casino da Póvoa de Varzim

4490-403 Póvoa de Varzim

Telefone: 252 690 888

www.casinos-estoril/povoa.com

restaurante.egoista@estoril-sol.pt