Sabores da Vida | Nem só de ouvir o vento passar
“É incrível o modo como um bom pedaço de carne assada e um generoso copo de vinho encorpado podem restaurar as nossas energias. E o modo como um segundo copo te faz rir com todo o teu coração. E como o terceiro copo te faz procurar um lugar suficientemente discreto para namorares com a tua esposa.” Ferenc Máté
Na semana passada estivemos num invulgar encontro enogastronómico organizado pelo portal de gastronomia e vinhos Alivetaste, em parceria com o Palácio do Freixo e Recheio: o encontro de comida e vinhos Sabores da Vida. Como principais patrocinadores o evento contou com Renault, Amado e Nespresso.
Esta já é a segunda edição, na qual as criações de 14 chefes foram harmonizadas com vinhos de 25 produtores de diferentes regiões, num fim de tarde na Pousada do Freixo, tendo a música da Smooth como forte ligação.
Os prazeres da vida foram celebrados num início de semana com o que de melhor Portugal tem, junto à foz do rio Douro. Pretendia-se que os chefes convidados, em ambiente descomplicado e informal, harmonizassem as suas criações com os produtores presentes. E assim foi, grande gastronomia e grandes vinhos!!!
A primeira criação que provei foi uma Delicia de abacate, camarão e baunilha do chefe Christian Rullán (Lebabachris). Uma brilhante combinação de texturas, aromas e sabores. A cremosidade do abacate é combinada com a gordura marítima do camarão, com o toque moderno, doce e delicado da baunilha e com a frescura irreverente do Ribeiro Santo Encruzado 2016.
Nunca tinha provado um Encruzado tão novo. O aroma não é tão delicado como nos Encruzados mais antigos, mas a classe está lá. Citrinos, maçã ainda verde, rosas, chá de cidreira e ténue, muito ténue fumo. Bastante fresco, equilibrado e cremoso. Tem tudo para ser grande daqui a 5 anos :-P
Como eram 28 criações, vou falar-vos apenas daquelas que mais gostei. O Panipuri de presa ibérica com chutney de tomate de João Pupo Lameiras (Casa de Pasto das Carvalheiras, Braga) foi uma agradável e atrevida surpresa porque combina o carácter suculento e ligeiramente especiado com o sabor adstrigente da água do tamarindo, deixando o palato a formigar.
O chefe António Vieira (Wish, Porto) apresentou dois pratos em grande nível, Usuzukuri de Toro com molho ponzo e algas wacame; e Espuma de batata com escabeche de perdiz. A deliciosa gordura, frescura e suavidade das finas fatias do Toro são realçadas pelo molho ponzo, uma espécie de molho de soja só que mais complexo, uma vez que mistura criteriosamente acidez, notas amargas, sal e bastante fruta. Em contraponto, a ausência de gordura na perdiz foi uma mais-valia, que aliada à sua carne muito tenra, delicada e saborosa me fez imediatamente pegar num Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo Reserva 2014, que grande vinho!!!
Rubi com laivos violeta acrescentou à perdiz aromas a amora, cereja, mirtilos, tosta, noz moscada, pimenta e cedro. É denso, voluptuoso, com grande equilíbrio e macio. No entanto, este carácter sedoso não cansa pois é balanceado pela força dos taninos. Bastante longo e com uma dança harmoniosa muito interessante entre açúcar, acidez, taninos e álcool. Adorei!!!!
Depois de um dia de trabalho, é incrível o modo como um bom pedaço de carne assada e um generoso copo de vinho encorpado podem restaurar as nossas energias. A costela de boi no bafo, do chefe António Carvalho (Brasão, Felgueiras) ainda me faz salivar, que exagero de voluptuosidade!!!
Para acalmar tamanha "bomba gastronómica" voltei a conversar com o Quinta dos Romanos 2007. As framboesas, morangos e apontamentos a esteva e giesta continuam lá. Como estava mais fresco do que quando o provei pela ultima vez, o chocolate e madeira de excelente qualidade estavam mais presentes. Tem uma excelente acidez, elegância, finesse e taninos redondos mas ainda aguerridos. É um vinho que não cansa devido à sua espectacular e irrepreensível acidez. O final de boca é longo, persistente, harmonioso, complexo e muito sedutor. Mais uns aninhos em cima e acredito que este vinho me vai fazer arrepiar...
O Tataki de novilho com cogumelos Shimeji trufados do chefe Luís Américo (Puro 4050 e Cantina 32, Porto) combinavam com mestria a carne bastante tenra com o ligeiro sabor a noz e a textura agradável, firme e ligeiramente crocante dos cogumelos.
Gostei também bastante da delicadeza do Cremoso de bacalhau e grão de bico com azeite de coentros apresentado pelo chefe Daniel Gomes (Cais de Villa, Vila Real). Aromas da terra e do mar enriquecidos pela complexidade do azeite de coentros. Provavelmente, o prato que mais gostei, pelo equilíbrio, complexidade e riqueza de sabores. Este bacalhau carnudo, ligeiramente salgado e com as lascas a desfazerem-se estava a implorar para que escolhesse um grande vinho para o acompanhar.
E assim foi, o meu favorito, o Quinta dos Nogueirões Limited edition 2013. Uma das coisas que de melhor se pode dizer deste vinho é que tem 16% de álcool e não se nota nadinha. Muito complexo no nariz, mostra fruta do bosque, tosta, caixa de tabaco, compota de morango e sous bois que encaixam como uma luva no bacalhau. Na boca exibe uma frescura extraordinária, bastante harmonia e muito equilíbrio. Voluptuoso e com óptima integração dos diferentes aromas, este vinho é puro terroir do Douro engarrafado!!! Tão bom, que até hoje, parece que ainda o tenho :-P
Pessoa disse uma vez através de Caeiro que "A espantosa realidade das coisas é a minha descoberta de todos os dias. Cada coisa é o que é, e é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra, e quanto isso me basta. Outras vezes oiço passar o vento, e acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido". Não sou nada nem ninguém para adicionar algum preciosismo a esta descrição de Pessoa, mas acho que ali, na Pousada do Freixo, naquele momento, senti o mesmo vento de Caeiro, aquele que só de o ouvir passar quase que valia a pena ter nascido, quase...
Porque para valer mesmo a pena, a esse vento era necessário acrescentar um bom copo de vinho encorpado e um lugar suficientemente discreto para namorar com a minha esposa :-P
Obrigado Mário Rodrigues e Celeste Pereira pelo convite para este magnifico fim de tarde, onde não só se ouviu o vinho passar :-P