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No meu Palato

No meu Palato

Vertical Quinta do Noval | Nanos gigantum humeris insidentes tannum

"Naquela primavera e verão, tornou-se impossível olhar pela janela sem nos entretermos com questões de física, de multiversos colapsando sobre si mesmos, de linhas do tempo a quebrarem como plataformas de gelo na Antárctida. Tudo isso estava realmente a acontecer: máscaras e tiranos, sprays de aerossol e palhaços armados?” Gary Shteyngar

Vertical Quinta do Noval 2022Estamos em Março de 2020 e enquanto as uvas que originarão o Noval Vintage Nacional 2020 crescem serenamente, o mundo está em convulsão pandémica. Neste cenário, um grupo de amigos (e amigos dos amigos) reúne-se  numa casa de campo em Hudson Valley, para fugirem às contaminações exponenciais de Nova York, e deixarem, serenamente, a pandemia passar (pelo menos era esse o plano). 

Vertical Quinta do Noval 2022Nos seis meses seguintes, chega tudo menos essa tal serenidade: novas amizades, romances perigosos e traições surpreendentes. Tudo isto vai forçar cada personagem a reavaliar quem ama e o que mais importa.

Vertical Quinta do Noval 2022Este é o enredo inicial (tirando é claro a referência ao Noval Nacional ;)) do livro Our Country Friends de Gary Shteyngart. Ao longo de todo o livro, Shteyngart enfatiza que cada um dos seus personagens foi deslocado não apenas de seus ambientes cosmopolitas mimados, mas também da suposta sensação de segurança que uma cidade como Nova York normalmente engloba. 

Vertical Quinta do Noval 2022Tornados vulneráveis/humanos pela pandemia de um modo nunca antes vivenciado, todos os personagens lutam contra uma verdade que vão preferindo não verbalizar: a de que nenhum dinheiro, talento ou inteligência os pode salvar do medo, da doença ou da morte. É um livro trágico-cómico, uma vez que nos faz rir dos problemas banais que os personagens encontram, mas também nos incomoda com o recordar do medo, da tensão e da dúvida que a COVID-19 nos trouxe.

Vertical Quinta do Noval 2022Com o decorrer da história, Shteyngart muda o foco dessa paródia existencialista para um humor mais próximo dos tons melancólicos e elegíacos de seu ídolo russo, Chekhov. Quem já leu Chekhov percebe imediatamente (a partir do meio do livro) que o princípio de Chekhov se vai cumprir mais uma vez: o de que uma arma colocada no palco tem disparar antes que a cortina desça - a COVID-19 vai também, inevitavelmente, encontrar um alvo naquela casa isolada em Hudson Valley.

Vertical Quinta do Noval 2022No final do romance, os personagens imperfeitos de Shteyngart (cujas preocupações iniciais se prendiam com a canalização, a má rede de internet ou a péssima cobertura telefónica) absorvem lições de humildade, compaixão e fraternidade. É pena que o livro deixe muitas pontas soltas, quase inexplicavelmente, mas tem, no entanto, uma enorme lição: a de que mesmo num ano mau, coisas extraordinárias podem acontecer, coisas essas que nos permitem continuar a rir, a sonhar e a viver.

Vertical Quinta do Noval 2022Em todo o livro a COVID-19 é abordada como um símbolo mutável. No inicio de divisão, de isolamento, de medo de viver no perigo existencial da vida contemporânea. No final, de superação, de persistência, de sobrevivência, de união e de diversidade. Li o Our country friends no inicio deste ano, e fez-me olhar de modo diferente para 2020.

Vertical Quinta do Noval 2022Vamos lá então rever 2020 de outra perspectiva, tivemos vizinhos ingleses que começaram a cantar na chuva com uma festa que cumpriu o distanciamento; uma velhinha com 102 anos que sobreviveu à COVID-19 ... por duas vezes; nos EUA um policia recebeu um transplante (que o manteve vivo) por parte uma mulher que ele tinha colocado na prisão uma década antes; uma criança com 7 anos organizou um baile de finalistas surpresa para a sua babysitter após o oficial ter sido cancelado devido à pandemia; unimo-nos, com máscara posta, enquanto país, contra a assassinato de George Floyd; a comunidade cientifica conseguiu em tempo recorde desenvolver várias vacinas contra a COVID, e todos tivemos um pouco mais de tempo para nos (re)conectarmos com a família.

Vertical Quinta do Noval 2022Confesso-vos que, tirando todos os medos e anseios relacionados com a pandemia, tenho por vezes saudades dos dias de confinamento em que tudo era planeado a 4: dos jantares com "traje de gala" com a Clarisse após as crianças terem adormecido, dos lanches no jardim, das pizzas feitas com a Bia e das cabanas (des)construídas com o Gui.  Também no que diz respeito aos vinhos, 2020 é um ano para ser olhado com a perspectiva de copo "meio cheio", atrevo-me mesmo a dizer, "completamente cheio".

Vertical Quinta do Noval 2022

Do ponto de vista enológico 2020 foi um ano quente e seco, com um período longo de maturação que culminou numa vindima precoce. Os vinhos resultantes mostraram-se ricos, intensos, encorpados, sedosos e com uma grande densidade. Foi para conhecer 2 deles (bem, na realidade foram bem mais) que nos deslocámos ao The Lodge Wine & Business Hotel, em Vila Nova de Gaia, no dia 10 de Maio de 2022 para uma memorável prova vertical da Quinta do Noval.

Vertical Quinta do Noval 2022A prova começou com todos os Porto Vintage lançados na última década. Com o vermelho rubi Quinta do Noval Vintage 2011 (175.00 €, 97 pts.) e os seus frutos silvestres, chocolate, bergamota, bela acidez, equilíbrio e taninos elegantes; com o rubi-roxo Quinta do Noval Vintage 2012 (155.00 €, 95 pts.) e as suas violetas, limonete, caixa de charuto, ameixa seca, groselha, finesse, frescura e taninos suculentos;  com o rubi-roxo Quinta do Noval Vintage 2013  (165.00 €, 94 pts.) e as suas amoras, cerejas, café, chocolate preto, sous bois, ligeiro fumado, taninos elegantes mas firmes e palato frutado, equilibrado, elegante e bem estruturado; e com o violeta Quinta do Noval Vintage 2014  (120.00 €, 96 pts.) e os seus frutos silvestres, amora, ameixa, groselha, figos, tabaco, boa estrutura, intensidade  e alguma contenção. 

Vertical Quinta do Noval 2022Seguiram-se o violeta Quinta do Noval Vintage 2015 (100.00 €, 97.5 pts.) cheio de fruta fresca e madura (cerejas, mirtilo, amora e ameixa), alcaçuz, cedro, equilíbrio, excelente estrutura, final longo e aguardente/taninos super bem integrados (este é, sem margem para dúvidas e na minha opinião, o melhor Vintage não Nacional da última década, está numa fase que já dá imenso prazer na prova mas tem tudo para crescer durante décadas, se encontrarem umas garrafas não as deixem escapar, até porque o preço é muito apelativo ;)); o violeta Quinta do Noval Vintage 2016 (130.00 €, 97 pts.) e a sua canela, cereja madura, violetas, menta, austeridade rústica (explicada pela estrutura sólida de taninos vibrantes), equilíbrio, concentração e confiança;  o rubi quase opaco Quinta do Noval Vintage 2017 (130.00 €, 97 pts.) com violetas, amora, alcaçuz, eucalipto, sous bois, chocolate preto, finesse, enorme acidez, taninos deliciosos, músculo, e final longo e tenso; o rubi  Quinta do Noval Vintage 2018 (100.00 €, 96 pts.) carregado de cereja, limonete, cacau, canela; cedro, caixa de tabaco, chocolate preto, robustez,  profundidade e estrutura indomável; e o rubi negro Quinta do Noval Vintage 2019 (100.00 €, 96 pts.), com ameixa vermelha madura, amora, cereja preta, chocolate preto, sous bois, pimenta preta, densidade, equilíbrio, elegância e complexidade. 

Vertical Quinta do Noval 2022Deixemos o 2020 para depois. Passando para a crème de la crème dos Porto Vintage, o Quinta do Noval Nacional 2011 (3000.00 €, 100 pts.) é um monstro!!! De traje violeta exibe sobranceiramente sous bois, caruma, cogumelos, trufa, café, chocolate preto e groselha. Na boca, deixa de joelhos qualquer pessoa que goste de vinho, é fresco, equilibrado, complexo, largo, denso e interminável. Tenho tido a felicidade de poder ir provando este vinho à medida que envelhece, daqui a umas décadas, deixa de ser vinho e passa a ser filosofia. Impressionante!!!

Vertical Quinta do Noval 2022O violeta Quinta do Noval Nacional 2016 (1500.00 €, 99 pts.) apresentou-se ainda um pouco fechado, quase escondido, é preciso dar-lhe tempo para nos apercebermos  da ginja, do sous bois, das violetas, dos mirtilos, das avelãs e das notas fumadas. Na boca passeia-se pavoneantemente com textura tensa e mineral, incisivo, cheio de camadas e com taninos densos mas sedosos. Apenas não lhe dou 100 pontos por causa de 2011 e 2020.  

Vertical Quinta do Noval 2022O violeta Quinta do Noval Vintage Nacional 2017 (1500.00 €, 99 pts.) apresenta-se com cogumelos frescos, groselha, ameixa, amoras, mirtilos, notas minerais, café, cravinho e loureiro, que emergem lentamente, camada após camada. Surge ainda uma espécie de redução de compota de frutos silvestres arrebatadora. O palato é super equilibrado, fresco, elegante, encorpado, intenso, denso, aveludado e harmonioso.  

Vertical Quinta do Noval 2022O rubi-opaco Quinta do Noval Vintage Nacional 2019 (1500.00 €, 99.5 pts.) emana ameixa seca, compota de frutos silvestres, cereja, esteva, cacau, pimenta preta, gengibre e resina. No palato exibe uma dicotomia muito engraçada entre poder/taninos raçudos/estrutura e elegância/finesse/equilíbrio. É muito complexo, penetrante, equilibrado, harmonioso, mas ainda muito tímido. Baixei a sua nota 0.5 valores depois de provar o Quinta do Noval Vintage Nacional 2020

Vertical Quinta do Noval 2022Passemos então aos Vintage 2020, começando pelo violeta Quinta do Noval Vintage 2020 (100.00 €, 97.5 pts.) que tem um nariz muito frutado (frutos silvestres, cereja e mirtilos), com resina e algum sous bois. Na boca é enorme, equilibrado, complexo, fresco, assertivo e bastante ponderado.  

Vertical Quinta do Noval 2022Por sua vez o rubi-escuro Quinta do Noval Vintage Nacional 2020 (1000.00 €, 100 pts.) é uma ode à beleza tânica. Entra no nariz com aquele aroma a lagar nos dias de vindima, a engaço, a frutos silvestres e com alguma percepção de violetas. Num segundo plano surgem sous-bois, ameixa seca e menta. No palato é complexo, focado, com uma estrutura esculpida como se de uma jóia se tratasse, longo, eclético, quase arrogante,  e exibe uns taninos como ainda não havia sentido ate hoje: elegantes, austeros e frescos. É mais um monstro que vai desafiar as linhas do tempo, criado pela Noval.

Vertical Quinta do Noval 2022Ainda houve tempo para conhecer mais algumas novidades da Quinta do Noval como o amarelo-citrino Quinta do Noval Reserva branco 2021 (60.00 €, 95 pts.) cheio de fruta branca, anis, acácia-lima, esteva, baunilha, caixa de tabaco, notas fumadas e com um lado verde/vegetal que o torna ainda mais complexo. No palato exibe bom volume, uma estrutura incrível e um final longo e muito fresco. Não é um branco consensual, mas eu gostei bastante. Já fazia falta um branco assim no Douro. Por sua vez o violeta Quinta do Noval Touriga Nacional 2019 (32.00 €, 93 pts.) exibe um sedutor aroma a lagar, frutos silvestres, violetas, pimenta preta, chocolate, cereja, fumo e alguma pedregosidade. Na boca é fresco, equilibrado e com taninos firmes e hirtos. 

Vertical Quinta do Noval 2022O rubi escuro Quinta do Noval Reserva tinto 2019 (54.00 €, 96 pts.) emana frutos silvestres, compota de framboesa, chocolate preto, baunilha e tabaco. Na boca, para além de um final longo e sedutor exibe um volume incrível, uma frescura acutilante e uma estrutura notável.  O âmbar-tawny Quinta do Noval Colheita 2009 (52€, 95 pts.) segue a pisada democrato-eclética do antecessor 2007.  Tem um nariz muito denso e vigoroso com alcaçuz, canela, figos secos, café e amêndoas. No palato é complexo, fresco, amplo e persistente.  

Vertical Quinta do Noval 2022A metáfora dos anões estarem sobre ombros de gigantes (do latim nanos gigantum humeris insidentes) metaforiza o peso do legado no sucesso que possamos ter actualmente. Esse conceito surgiu no século XII com Bernardo de Chartres mas ficou mais célebre com Isaac Newton em 1675, que postulou numa carta dirigida ao seu rival Robert Hooke: "Se eu vi mais longe, foi por estar sobre os ombros de gigantes". Esse legado resultante dos gigantes do passado funciona quase como que um selo de garantia para estes novos lançamentos da Quinta do Noval.  Antagonicamente é também o seu maior desafio/obstáculo, o da comparação minunciosa, quase castradora, com os monstros do passado como o 2011.

Vertical Quinta do Noval 2022Os taninos de 2020 (tannum em latim), os melhores que encontrei num Porto Vintage, são quase como um tónico de confiança que faz com que estes Vintages não tenham medo de nenhum outro. Não faço comparações com leões para não ser acusado de plágio metafórico (;)), antes sim com um touro de fraque e papillon. ;) Resumindo: os Vintage 2020 são enormes (o Nacional roça a perfeição); se encontrarem o Vintage 2015 em alguma garrafeira não o deixem escapar; o branco reserva é fresco, guloso e diferenciador no que ao Douro diz respeito; os tintos seguem a bitola qualitativa dos anos anteriores; e o Colheita 2007 é daqueles que nos dá muito mais do que aquilo que nós damos por ele. Que a estes gigantes se sigam outros ainda maiores!!!